Tragédia de Janaúba: 5 anos depois, comunidade resiste mesmo em meio aos traumas


(Por Vitor Fórneas, O Tempo) Cinco anos se passaram desde o massacre na creche Gente Inocente, em Janaúba, no Norte de Minas, que vitimou dez crianças, três profissionais da instituição de ensino, entre elas a professora Heley de Abreu Silva Batista, além do segurança Damião Soares Santos, de 50 anos, autor do crime.

De lá pra cá, a comunidade escolar tenta continuar a rotina de atividades, no entanto permanece “presa” aos traumas do passado. Era 5 de outubro de 2017 quando Damião ateou fogo à creche, local onde trabalhava, e se tornou o responsável pela maior tragédia escolar de Minas Gerais.

Cinco anos depois, com o prédio reformado, conforme conta Sanny Simanelle Siqueira Sá, atual diretora do Centro Municipal de Educação Infantil (Cemei) Gente Inocente, antiga creche Gente Inocente, a comunidade escolar tenta deixar para trás o passado. “A creche tem novas cores, o prédio foi bastante mudado, mas as marcas daquele dia ainda são profundas. Os engenheiros trocaram a posição das salas mais atingidas para que a lembrança não permaneça tão forte”, diz.

Sanny já trabalhava na creche quando o atentado ocorreu e conhecia todas as vítimas. Seu turno de trabalho era à tarde, e, por isso, ela se salvou da tragédia. “Eu era professora eventual, ou seja, ficava substituindo as educadoras que precisavam se afastar do trabalho por algum motivo. Tinha passado por todas as salas e conhecia todas as crianças. Eu me lembro das maiores nos chamando pelo nome”, recorda.

A diretora do Cemei Gente Inocente não consegue se esquecer das vítimas. “O dia 5 de outubro me deixa muito apreensiva. Organizamos homenagens. Uma missa está marcada para acontecer na parte da manhã. Nós nos lembramos de todos, eles deixaram uma marca muito forte. Um se fortalece no outro para conseguir continuar a vida”, pondera.

“Continuar a vida”, conforme conta a educadora, é mais difícil do que pode imaginar quem não viveu o ataque. O período da pandemia da Covid-19, quando a escola ficou fechada por causa do isolamento necessário, foi um tempo de “reflexão e valorização da vida”. “Eu busco muito apoio nas mães que perderam filhos. Sou mãe e sei que a vida tem que seguir e continuar. A pandemia nos fez refletir muito, já que foi um momento em que nossa escola perdeu a vida, pois não tinha crianças”.

Escola é aberta ao público
O temor de um novo massacre era parte do cotidiano dos profissionais que atuavam no centro educacional. A prova disso é que, somente em julho de 2022, pela primeira vez, ocorreu uma festividade aberta ao público. A mais recente foi no final de setembro, com a Festa da Primavera. O medo de a creche ser invadida novamente era tão intenso que Sanny sequer conseguia sentar-se de costas para a rua. “Tínhamos receio e medo de fazer eventos abertos para a sociedade. Eu não conseguia sentar de costas para o portão, somente de frente. Ficava muito ansiosa”, relembra.

Atualmente, nenhuma das crianças sobreviventes estuda na instituição de ensino. A diretora conta que, dos pais que perderam filhos, somente uma mãe vai até a creche com frequência. “Ela relata que o filho foi muito feliz aqui e, por isso, gosta muito de ajudar a escola. Os demais preferem não vir. Tem uma mãe que diz ter ‘preparado o coração’ para nos visitar durante a Festa da Primavera, porém acabou vindo no dia errado. Falei que ainda não era o tempo de Deus”.

Saudade dos coleguinhas
Maria Eduarda está entre os sobreviventes do ataque à creche Gente Inocente. A criança, que na época tinha 2 anos, precisou ficar hospitalizada em Montes Claros, na região Norte, por ter inalado fumaça. A mãe, Mirian Souza, relembra o desespero quando ficou sabendo. “Passaram-se cinco anos, mas fica até hoje na memória. Estava no trabalho quando tive a notícia. Foi desesperador”.

A garotinha, segundo a mãe, lembra-se daquilo que fazia quando Damião cometeu o massacre. “Ela fala que estava tomando banho de mangueira e fica triste porque sabe que coleguinhas morreram. Graças a Deus a gente foi superando. A cicatriz ficou, e o dia 5 de outubro é muito triste”, afirma Mirian, que é profissional de serviços gerais.

Depois do massacre, Mirian cogitou mudar a filha de creche, mas a deixou matriculada na mesma instituição. “A Maria Eduarda optou por continuar lá por causa dos coleguinhas. A nova creche ficou bem bonita, estruturada. Quando nos lembramos de tantas vidas perdidas, vem o sentimento de tristeza”.

A profissional de serviços gerais agradece pelo fato de a filha não ter tido sequelas nem mesmo sofrido queimaduras. “Eu aprendi muito com aquele dia. Aproveito ao máximo o tempo que temos juntas. Como mãe, aprendi a não deixar certas coisas para depois, pois muitas crianças morreram. Abraço e beijo mais minha filha, além de ficar mais tempo com ela. É o que posso fazer”, finaliza.

Instituição é equipada
A creche, que antes não contava com extintores e demais procedimentos para casos de incêndio, está equipada atualmente. “Hoje temos extintores, placas de sinalização, os bombeiros vêm aqui com frequência, temos o Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros. Tudo isso passou a ter somente depois (da tragédia). Fico me perguntando se as demais escolas também têm. A mudança precisa ser no geral”, considera.

Mudança incipiente
Procurada, a Prefeitura de Janaúba esclareceu que a administração está instalando projetos de incêndio em todas as instituições de ensino da rede municipal. O poder público esclareceu ainda que vem desenvolvendo ações em todas as escolas e Cemeis com o objetivo de ampliar o cuidado com toda equipe de educadores, servidores e alunos.

A Secretaria Municipal de Educação tem solicitado atestado de antecedentes criminais e vem ofertando acompanhamento psicológico aos servidores. Também há a presença de uma equipe multidisciplinar para acompanhamento especializado, com psicólogos e assistente social.

Como aconteceu o ataque
Há exatos cinco anos, o segurança Damião Soares Santos, que na época tinha 50 anos, ateou fogo à creche municipal Gente Inocente, em Janaúba, na região Norte de Minas Gerais. Na ocasião, dez crianças, três profissionais da educação e o autor do incêndio morreram, no maior atentado a uma escola ocorrido em toda a história de Minas Gerais.

Relembre os passos de Damião:

Noite anterior
No dia 4, o vigia passou a noite na casa da mãe, e, segundo familiares entrevistados por O TEMPO na época, ele não demonstrou nenhum comportamento anormal. Antes de sair na manhã seguinte, inclusive, ele prometeu que voltaria para o almoço.

Chegada
O vigia noturno da escola Damião Soares dos Santos chegou de motocicleta à creche Gente Inocente, que fica no bairro Rio Novo, em Janaúba, por volta das 9h30.

Entrada
Uma das funcionárias do centro educacional abriu a porta para o homem, que entrou na escola carregando uma mochila. No momento, a creche abrigava cerca de 92 pessoas (sendo 75 crianças). O aparecimento fora do horário do servidor causou estranhamento, no entanto ele informou que entregaria um atestado para a diretora.

Ataque
Dentro da escola, conforme relatos de testemunhas, ele incendiou seu corpo e passou a “abraçar” as crianças. A professora Heley de Abreu Silva Batista estava na primeira sala que foi atacada por Damião. No local, havia crianças de 2 e 4 anos. Quando ela percebeu a aproximação do homem em chamas, começou a retirar os pequenos por uma janela estreita. Até o momento em que ele a alcançou, e os dois lutaram até Heley ficar inconsciente. Duas auxiliares da creche ajudaram Heley, e as três morreram.

Enterro
O corpo de Damião foi enterrado no dia 6 de outubro, de 2017, no cemitério São Lucas, sem a presença dos familiares. Na época, parentes informaram que não comparecerem em respeito às famílias que estavam sofrendo naquele momento.

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