Janaúba: Mulher que salvou crianças da Creche Gente Inocente vive isolada: ‘Vi o inferno’

Cidade de Janaúba enfrenta luto após ataque a creche municipal 
Gente Inocente — Foto: LINCON ZARBIETTI / O TEMPO / 10.10.2017

(Por Vitor Fórneas, O Tempo) “Eu vi o inferno”. É assim que a auxiliar de serviços gerais Ivani Lopes Nunes, de 42 anos, define o dia 5 de outubro de 2017, quando o segurança Damião Soares Santos, que tinha 50 anos, ateou fogo à creche municipal Gente Inocente, em Janaúba, no Norte de Minas. Na ocasião, dez crianças, três profissionais da educação e o autor do incêndio morreram.

As marcas deixadas na vida de Ivani são tão profundas que, cinco anos depois do massacre, ela não consegue mais sair de casa e se vê dependente de medicações antidepressivas. Em conversa com O TEMPO, a ex-funcionária da creche relembrou os momentos vividos na instituição de ensino.

“Não consigo falar sem me emocionar. Mexeu demais comigo e com meu psicológico. Você ver o fogo se propagar em pessoas de sua convivência e depois vê-las morrendo é muito triste. Hoje, estou tomando cinco medicamentos de depressão, estou num processo de aposentadoria e com vontade de morrer”, disse a servidora do município, que foi uma das indenizadas pelo Executivo municipal.

Ivani recorda o momento em que Damião entrou na creche. “Passei por ele e cumprimentei como de costume. Ele tinha o hábito de ir na escola durante o dia para assinar a folha de ponto e deixar algo (lanche, entre outros) para quando pegasse serviço. Jamais imaginava que ele fosse fazer aquilo. Naquele dia ele havia ido entregar um atestado”, revela. Damião Santos era vigia noturno.

Quando Damião ateou fogo à instituição de ensino, a profissional de serviços gerais ajudava outra professora a colocar os bebês de 6 meses para dormir. “O inferno aconteceu diante dos nossos olhos. Uma cena de horror. Tivemos que pegar quatro crianças no colo e ver as outras que conseguiam sair sozinhas com fogo pelo corpo”. Mais de 40 pessoas ficaram feridas.

Ivani revela ter tentado apagar o fogo que tomava o corpo de uma professora usando um balde. “Não tinha água suficiente nem extintor para dar suporte naquela situação de horror que vivemos na Gente Inocente”, contou.

A comunidade escolar da creche era considerada a família da servidora da instituição de ensino. “A minha família estava mais na escola do que fora. Lá era o lugar que eu passava mais tempo com colegas de serviço, alunos. Criam-se vínculos de amor. Tenho recordação de cada criança daquela turma. Eles eram os mais velhos e praticamente estavam no último ano. Eu me lembro de quando chegaram bebês”.

Isolamento
A depressão causada após o incêndio na creche fez Ivani se isolar, mesmo ela tendo realizado acompanhamentos psicológico e psiquiátrico. “Vivo em torno de remédios. Resolvi me excluir do mundo. Fiz sessões de terapia para tentar votar no último domingo, mas não consegui. Eu me isolo para evitar perguntas e para não ser rotulada. Muitos me julgam pelo que passo. As pessoas não entendem o que vivi e passei”, desabafa.

Ivani, atualmente, tem evitado até mesmo ver crianças. “Não gosto de ficar perto, pois as marcas são muito profundas. A ficha até hoje não caiu. Eu sonho com tudo aquilo e tenho crises de ansiedade escutando as pessoas falando. Uma tristeza imensa. Ao mesmo tempo que agradeço a Deus pela minha vida, queria ter ido para não estar vivendo tudo isso”, desabafa, muito emocionada.

Mesmo com a tristeza, Ivani recorre à fé na tentativa de seguir a vida. “Eu era muito feliz e parei de sonhar e fazer planos. Vivo um dia de cada vez. Acredito que ainda tenho uma missão para cumprir, mas as dores que carrego são muito fortes”, conclui, comovida.

Como aconteceu o ataque
Há exatos cinco anos, o segurança Damião Soares Santos, que na época tinha 50 anos, ateou fogo à creche municipal Gente Inocente, em Janaúba, na região Norte de Minas Gerais. Na ocasião, dez crianças, três profissionais da educação e o autor do incêndio morreram, no maior atentado a uma escola ocorrido em toda a história de Minas Gerais.

Relembre os passos de Damião:

Noite anterior
No dia 4, o vigia passou a noite na casa da mãe, e, segundo familiares entrevistados por O TEMPO na época, ele não demonstrou nenhum comportamento anormal. Antes de sair na manhã seguinte, inclusive, ele prometeu que voltaria para o almoço.

Chegada
O vigia noturno da escola Damião Soares dos Santos chegou de motocicleta à creche Gente Inocente, que fica no bairro Rio Novo, em Janaúba, por volta das 9h30.

Entrada
Uma das funcionárias do centro educacional abriu a porta para o homem, que entrou na escola carregando uma mochila. No momento, a creche abrigava cerca de 92 pessoas (sendo 75 crianças). O aparecimento fora do horário do servidor causou estranhamento, no entanto ele informou que entregaria um atestado para a diretora.

Ataque
Dentro da escola, conforme relatos de testemunhas, ele incendiou seu corpo e passou a “abraçar” as crianças. A professora Heley de Abreu Silva Batista estava na primeira sala que foi atacada por Damião. No local, havia crianças de 2 e 4 anos. Quando ela percebeu a aproximação do homem em chamas, começou a retirar os pequenos por uma janela estreita. Até o momento em que ele a alcançou, e os dois lutaram até Heley ficar inconsciente. Duas auxiliares da creche ajudaram Heley, e as três morreram.

Enterro
O corpo de Damião foi enterrado no dia 6 de outubro, de 2017, no cemitério São Lucas, sem a presença dos familiares. Na época, parentes informaram que não comparecerem em respeito às famílias que estavam sofrendo naquele momento. O TEMPO esteve na casa da mãe de Damião, e os parentes dele estavam juntos, em oração.

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