(Por Larissa Durães, O Norte) Pela primeira vez, os municípios de Espinosa e Porteirinha, no Norte de Minas Gerais, passaram a contar com dados concretos sobre a doença de Chagas, após ampla testagem realizada entre março de 2024 e março de 2025. O levantamento foi feito por meio do projeto IntegraChagas Brasil, coordenado pelo Ministério da Saúde em parceria com as secretarias municipal e estadual de saúde. Os resultados divulgados em boletins epidemiológicos revelam um cenário preocupante: 1.120 moradores ainda aguardam o resultado de exames que podem indicar a presença da forma crônica da doença.
Do total de 2.392 pessoas encaminhadas para exames sorológicos, apenas 1.272 realizaram a testagem até março deste ano. Desse grupo, 669 casos foram confirmados, com maior incidência entre mulheres em idade fértil e gestantes, uma população prioritária devido ao risco de transmissão vertical da doença — de mãe para filho. Entre maio de 2024 e março de 2025, os testes rápidos da Fiocruz identificaram 600 novos casos. Do total examinado, 65,6% são mulheres. Entre 561 gestantes, 70 precisaram de exames complementares, e ao menos uma foi diagnosticada com a doença.
O Ministério da Saúde alerta que cerca de 70% das pessoas infectadas desconhecem a condição, o que dificulta o diagnóstico precoce e o controle da enfermidade. Entre maio de 2023 e junho de 2025, foram registrados mais de 3.500 casos crônicos e 50 mortes somente no Norte de Minas.
Apesar dos avanços, a Superintendência Regional de Saúde de Montes Claros considera que os dados ainda estão subestimados. A referência técnica da doença na regional, Nilce Almeida Lima Fagundes, destaca que o medo da população e o histórico de negligência são fatores que dificultam a testagem.
“Além de ser ignorada por muitos gestores, a doença ainda é temida pela população. Há quem evite fazer o exame por receio de receber um diagnóstico que pareça uma sentença de morte ou uma limitação definitiva”, afirmou.
O IntegraChagas, iniciado em 2023, fortaleceu a visibilidade da doença e ampliou o uso do teste rápido. No entanto, Nilce ressalta que ainda faltam políticas públicas estruturadas, principalmente em áreas rurais de difícil acesso.
“Temos municípios com extensões territoriais amplas, onde são necessários transporte e alimentação para os profissionais de saúde. Como isso não gera capital político, acaba sendo negligenciado”, pontua.
O tratamento, por sua vez, não está em falta, segundo Nilce. A medicação é entregue gratuitamente após prescrição e notificação médica. Mas o desafio maior está na continuidade do cuidado: muitos profissionais da atenção primária não se sentem seguros para conduzir o tratamento, por falta de formação específica sobre a doença.
A situação de Edivar Pereira da Silva, agricultor de 53 anos de Espinosa, retrata o drama vivido por muitos. Diagnosticado em 2006, ele hoje sofre com esclerose cardíaca, dores e dificuldades digestivas, que afetam diretamente sua qualidade de vida e capacidade laboral.
“A doença desgasta o corpo e o psicológico. Você perde rendimento, perde esperança”, desabafa.
Sem acesso adequado pelo SUS, Edivar buscou atendimento particular, mas, com o agravamento da condição e sem renda, já não consegue custear o tratamento. Ele elogia os avanços do IntegraChagas, mas alerta:
“Falta tudo: informação, exames como ecocardiograma e colonoscopia, e tratamento completo. O município não dá conta da demanda. Sem apoio dos governos estadual e federal, a gente segue sem rumo. Tudo em Chagas ainda está muito atrasado. E aqui no Norte de Minas, onde o barbeiro ainda circula, o silêncio sobre a doença pode ser fatal.”
Comentários
Postar um comentário