Norte de Minas Gerais: No governo Bolsonaro, empresa recebe para construir cisternas no semiárido mineiro e cobra contrapartida de famílias

Contrato previa construção de 3.012 cisternas — Foto: Divulgação

(Por Marina Pereira, Henrique Corrêa e Igor Brandão, g1 Grande Minas e Inter TV) Famílias carentes que vivem em comunidades rurais no Norte de Minas Gerais tiveram que pagar para serem beneficiadas pelo Programa de Cisternas do Governo Federal, que é oferecido gratuitamente.

A irregularidade foi confirmada pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome. O órgão informou que o Ministério da Cidadania, antigo nome da pasta responsável pelo programa, já havia constatado a situação, em novembro de 2022 mas ,“mesmo assim, a gestão anterior [do governo de Jair Bolsonaro (PL)] realizou parte do desembolso financeiro” para a Central das Associações de Agricultura Familiar (Ceapa), com sede em Alagoas, contratada para executar as obras. (Leia abaixo a nota do Ministério na íntegra e o posicionamento da Ceapa)

O contrato no valor de R$ 15 milhões foi assinado entre um convênio do Ministério da Cidadania do governo Bolsonaro e o Consórcio de Infraestrutura de Minas Gerais (Inframinas), que reúne prefeituras do Norte de Minas. O documento previa a instalação de 3.012 cisternas em cinco cidades da região, como contrapartida de R$ 15 mil da Inframinas. Até o momento, foram entregues 590 cisternas que corresponde a 19,6% do contrato.

O Ministério confirmou que todas as despesas com itens como areia, cimento e alimentação da mão de obra deveriam ser custeadas pelo convênio. No entanto, as famílias afirmam que tiveram que desembolsar cerca de R$ 700.

É o caso do produtor rural Erivan Gonçalves Amaral que mora com a esposa e os dois filhos pequenos, de 7 e 10 anos, na comunidade de Tabocas, que fica na zona rural de Coração de Jesus. Em entrevista ao g1, o morador contou que a única renda fixa é o auxílio do Bolsa Família no valor de R$ 600 e ele se endividou para realizar o sonho de ter uma cisterna nos fundos da casa.

“Era o nosso sonho porque na seca é muito difícil. Passamos aperto porque não tínhamos o dinheiro para o material. Comprei fiado e vou pagar a última prestação no mês que vem. Só de areia foi cerca de R$ 700, além de dois sacos de cimento. Também tive que ajudar como servente e a despesa de alimentação foi por conta da gente”.

Ele conta que em período de estiagem, a família precisava buscar água em um poço artesiano da comunidade.

“A cisterna vai ajudar muito na seca pra num ter que pegar água no poço, porque quando a bomba dá problema é uma dificuldade doida. Tem que pegar na carroça com burro [água no poço artesiano] [sic]”.

O morador informou ainda que o valor gasto começou a ser ressarcido pela empresa há 20 dias e disse que já recebeu R$ 500.

O que diz os envolvidos
Em nota, a Central das Associações de Agricultura Familiar (Ceapa) esclareceu que o que ocorreu não faz parte da prática da entidade e do ministério.

“Em relação aos referidos pagamentos que as famílias realizaram, essa não é a prática adotada pela entidade e nem tão pouco do ministério. O que ocorreu foi que algumas famílias compraram por conta própria alguns itens do programa. Por conta disso, a entidade efetuou o ressarcimento das despesas. Ressalta-se que qualquer custo da família em relação a implementação da tecnologia aplicada, cisternas, foram ressarcidos, conforme recibos emitidos e assinados”.

O g1 perguntou ao Ceapa sobre o motivo da cobrança e também o número de famílias que pagaram e já foram ressarcidas. O órgão ainda não respondeu esse questionamento.

Já o Consórcio de Infraestrutura e Desenvolvimento de Minas Gerais (Inframinas) disse também, por meio de nota enviada à Inter TV, que assim que soube das denúncias, em outubro de 2022, a entidade foi notificada “para prestar esclarecimentos e, consequentemente, tomar as medidas cabíveis, como ressarcir os beneficiários. Informamos, ainda, que todas as famílias beneficiadas pelo convênio já foram devidamente ressarcidas, segundo informações da entidade executora”.

Leia a nota do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome na íntegra

Conforme a Instrução Normativa SEISP/MC nº 05, que regulamenta a parceria entre o Ministério do Desenvolvimento Social e a CEAPA, itens como areia e cimento, além da remuneração e alimentação da mão de obra, devem ser custeados pelo convênio. Portanto, a cobrança de contrapartida das famílias beneficiárias é ilegal.

Diante da gravidade da denúncia, a CEAPA será suspensa de imediato e poderá ser descredenciada, conforme previsto na Portaria nº 22/2020, que trata do credenciamento das entidades executoras do Programa Cisternas.

As irregularidades já haviam sido constatadas em uma fiscalização realizada pelo Ministério em novembro de 2022, mas, mesmo assim, a gestão anterior realizou parte do desembolso financeiro.

O Convênio com o Consórcio Inframinas foi firmado com recursos da pasta, previstos na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2021 e 2022, e não há qualquer participação da Associação dos Municípios da Área Mineira da Sudene no processo de pactuação.

Cabe esclarecer ainda que o governo anterior revogou a Portaria nº 365/2020, que previa pontuação negativa a entidades executoras, calculada conforme a quantidade de cisternas não finalizadas em contratos em execução.

De acordo com o texto da Portaria nº 814, de 06 de outubro de 2022, atualmente não há restrição para que entidades executem mais de um contrato simultaneamente e participem de diversos editais.

Até o momento, foram entregues 590 cisternas de placas de 16 mil litros, o que representa 19,6% da meta total de 3.012 cisternas previstas no plano de trabalho.

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