Sem licitação, Prefeitura de Porteirinha contratou empresa do Secretário de Fazenda por 156 mil reais ao ano



(Por Milena Silveira) Em 1° de janeiro de 2021 o Prefeito de Porteirinha, Juracy Freire, eleito para seu terceiro mandato, tomou posse acompanhado do seu corpo de secretários. A cerimônia, transmitida também via internet, foi realizada na porta do prédio da Prefeitura, com direito a benção religiosa, discursos e apresentações cerimoniais comuns.

Naquela oportunidade, o cargo de Secretário Municipal de Fazenda estava ocupado por Eustáquio Júnior, um dos homens de confiança do prefeito e experimentado gestor das finanças públicas da cidade. Esteve ao lado de Juracy em suas duas administrações anteriores, em cargos estratégicos, e, até então, estava sendo apresentado à população como Secretário Municipal de Fazenda.

Para além do evento oficial de posse, que mostrou a todos Eustáquio Júnior como Secretário de Fazenda, também houveram publicações nas redes sociais apresentando o corpo de secretários, e lá estava sua foto e descrição do sócio da Tolentino Assessoria e Consultoria LTDA como secretário municipal. Inclusive, já como secretário de fazenda, Eustáquio Júnior participou de reuniões ordinárias na câmara municipal, onde, em nome da administração e da prefeitura, em mais de uma oportunidade, falou abertamente. Confirmando assim, e definitivamente, sua atuação como então secretário desde o momento de posse do executivo em 01 de janeiro de 2021.

O cargo de Secretário de Fazenda é, certamente, o mais disputado nos bastidores políticos. Em poucas palavras, o secretário é quem tem em mãos a chave do cofre, do orçamento e do planejamento tributário e fiscal do município. Que realmente pode mudar ou não as políticas públicas que são feitas, além de todo prestígio de carreira que o cargo oferece, obviamente. Ser nomeado e empossado como Secretário Municipal de Fazenda abre possibilidades de atuação ao profissional que nenhum outro cargo poderia ofertar, e por isso é incutir em erro imaginar que tal função do alto escalão da administração pública seja meramente protocolar, e pudesse vir a ser ocupado por qualquer outro que não de alta confiança do executivo chefe, o prefeito.

Eustáquio Júnior, que é advogado de formação e especialista em tributação, com muitos anos de atuação junto aos municípios na área contábil e fiscal, especialmente em Porteirinha, onde esteve como funcionário público até dezembro de 2021, quando pediu sua exoneração, é também um dos homens de confiança do Prefeito Juracy Freire, com quem já esteve à frente da Secretaria de Fazenda em outras oportunidades. Para confirmar sua atuação como Secretário de Fazenda, basta ir à Prefeitura e verificar que há um gabinete onde ele tem dado expediente diariamente, configurando sua atuação como servidor público em função, usufruindo de todas as prerrogativas de seu cargo.

Entretanto, durante um procedimento de investigação jornalística que apura os detalhes do orçamento municipal para 2022, verificamos que na folha de pagamentos dos servidores da Prefeitura de Porteirinha não constava o nome do então Secretário de Fazenda, em nenhuma das folhas do exercício de 2021, o que automaticamente acendeu uma dúvida: como poderia um dos principais cargos do executivo municipal, que, entre outras funções, cuida da folha de pagamentos, não constar como remunerada na própria folha de pagamentos? Como então estaria sendo remunerado o atual Secretário de Fazenda, que segue trabalhando normalmente e se posicionando como servidor público devidamente empossado, com todos os direitos funcionais que o cargo lhe oferece? Fomos buscar explicações mais aprofundadas.

Ao analisarmos os contratos de compra de produtos/serviços firmados pela Prefeitura de Porteirinha entre janeiro e setembro de 2021, foi localizado o contrato n°02, assinado com a empresa Tolentino Assessoria e Consultoria LTDA, em 1° de fevereiro de 2021, no valor de 156 mil reais, em modalidade de dispensa de licitação, para serviços de consultoria e assessoria contábil. A empresa Tolentino Assessoria e Consultoria LTDA está registrada em nome de Eustáquio Júnior, então Secretário de Fazenda, e recebeu os valores para prestação de serviços contábeis junto à Secretaria de Fazenda, focado na execução financeira, patrimonial e para o assessoramento contábil do município, em especial Tesouraria e Contabilidade, segundo objeto do contrato. Um fato bastante curioso é que a empresa a empresa Tolentino Assessoria e Consultoria LTDA possui um capital social de apenas R$ 5.000,00 e, mesmo assim, conseguiu fechar um contrato 30x maior que seu capital. Algo atípico para contratos com recursos mais volumosos. Ademais, a Lei n° 8.666/93, art. 9°, III proíbe que servidores públicos, efetivos ou contratados, estabeleçam contratos com o poder público sob qualquer hipótese.

Depois de constatar que o então Secretário de Fazenda de Porteirinha, que, ao entendimento da legalidade seria, na verdade, consultor contábil, uma vez que não havendo instrumento de posse que efetivou sua condição de Secretário de Fazenda, já que seus vencimentos não constam em folha de pagamento, possuía um contrato vigente com a Prefeitura, mais especificamente com a pasta da Secretária da Fazenda, com valor superior ao teto legal previsto para modalidade de dispensa de licitação, fomos buscar informações a respeito desta condição que se estabelecera desde fevereiro de 2021 com a assinatura do contrato, e como ela poderia ser interpretada pela lei.

Para entender melhor a denúncia apresentada, estávamos descobrindo que, possivelmente, o Secretário de Fazenda de Porteirinha, Eustáquio Júnior, havia solicitado, autorizado e contratado sua própria empresa de consultoria e assessoria tributária para prestar serviços diretos à sua pasta, nos valores de R$ 156 mil/ano, sem que tal processo de contratação de serviços passasse pelos trâmites legais exigidos pela lei de licitações. Ou, como também pode ser uma hipótese que ainda está sendo apurada, Eustáquio Júnior não chegou a ser oficialmente empossado no cargo e, mesmo sem a prerrogativa legal da função, atua e dá expediente dentro da Secretaria de Fazenda como Secretário. Quando, na verdade, mantém vínculos legais apenas de consultoria e assessoria em vigência. As duas situações são bastante atípicas, e podem ser interpretadas como ilegalidade administrativa, segundo especialistas ouvidos.

Segundo o advogado Frederico Alves, especialista em administração pública ouvido por nossa reportagem, o artigo 25 da lei de licitações dispõe quanto a possibilidade de inexigibilidade para licitar, e, ainda segundo o advogado, mesmo com a alteração provocada pela lei n° 14.133 de 2021, que modificou os valores e impôs limite de R$ 50.000,00 para contratação de prestações de serviço, tal contrato firmado entre a empresa Tolentino Assessoria e Consultoria LTDA encontra-se contrário aos ditames da lei.

Com a vigência do contrato n° 02, Eustáquio Júnior, atualmente, é um servidores da Prefeitura de Porteirinha com maior salário, cerca de 13 mil reais/mês se dividirmos os valores totais do contrato pelo número de meses de duração do mesmo, o que lhe renderia o segundo maior salário entre os cargos do primeiro escalão do executivo, caso constasse como servidor público, atrás apenas do Prefeito. Atualmente, a remuneração média de um secretário é de 8 mil reais ao mês, segundo apurado por nossa reportagem nas folhas de pagamento do município.

Perguntamos ao advogado sobre o fato do consultor contábil Eustáquio Júnior ter se apresentado em eventos e reuniões oficiais como Secretário de Fazenda, por mais de uma vez e mesmo depois de o contrato estar em vigência, e ele nos informou que “pode sim configurar como improbidade administrativa, uma vez que a delegação de tais responsabilidades representativas passa pelo executivo municipal em atos oficiais. Quem assinou o contrato sabia que o então Secretário de Fazenda não era secretário de fato consumado. Se mesmo assim permitiu que fosse apresentado, consentiu com tudo que foi praticado.”

Também foi identificado nos contratos firmados pela Prefeitura em 2021 o instrumento n° 5, no valor de 84 mil reais, também em modalidade dispensa de licitação, que contratou a empresa Controle Contábil, consultoria, auditoria e gestão LTDA ME para prestação dos serviços de contabilidade pública de natureza técnica e singular de notória especialização, no que tange na execução e acompanhamento na elaboração de relatórios e análises técnicas em assessoramento, consultoria, fiscalização e supervisão, no que tange a serviços de contabilidade como Contador, junto ao Controle Interno do município de Porteirinha, conforme objeto do contrato. Tais serviços contratados são bastante similares aos serviços para quais fora contratada a empresa Tolentino Assessoria e Consultoria LTDA.

Procuramos a Prefeitura de Porteirinha para esclarecer à contratação das empresas de assessoria contábil citadas, e também para confirmar se Eustáquio Júnior estaria dando expediente como Secretário de Fazenda, mesmo não sendo nomeado oficialmente para o cargo. Também perguntamos a respeito das funções exercidas pela empresa Tolentino Assessoria e Consultoria LTDA, mas, até o momento, não obtivemos retorno. A empresa Tolentino Assessoria e Consultoria LTDA também não retornou aos nossos questionamentos.

Acesse aqui o arquivo do contrato, disponível no Portal da Transparência: Detalhamento do Contrato

Entenda...
É proibido por lei qualquer servidor público firmar contrato com a administração pública, o que implicaria em improbidade administrativa para quem o faz, segundo os especialistas ouvidos. Portanto, se o Secretario de Fazenda, nos termos da lei, foi nomeado, empossado e está no pleno exercício de sua função, ele não pode ter contrato firmado com a Prefeitura. Porém, se ele não está relacionado na folha de pagamento do município como secretário, e mesmo assim segue usurpando das prerrogativas de função que o cargo oferece, também poderá ser enquadrado como improbidade administrativa, uma vez que possivelmente existe conflito direto de interesses.

O analista político Rodrigo Duvel, formado em Ciência Política pela UFMG, disse à reportagem que a “prática observada na contratação da empresa é bastante comum Brasil afora, mesmo sendo considerada uma ilegalidade. Como há um teto para salários de secretários do executivo, eles burlam a lei contratando suas empresas, e não se registrando como servidores públicos, muito embora publicamente estejam atuando como se servidores fossem.” Ainda segundo ele: “a facilitação que houve com o afrouxamento da lei de licitações fez explodir a prática, especialmente nas cidades do interior, de pequeno e médio porte, como é o caso de Porteirinha.”

Em tempo...
Após tentarmos contato com Prefeitura de Porteirinha para esclarecimentos sobre a denúncia apresentada, a mesma retirou do site oficial a página com a foto e descrição do então Secretário de Fazenda, como há de todos os demais secretários. A motivação para a retirada do conteúdo não foi informada pela assessoria de comunicação.

Caso a Prefeitura de Porteirinha ou algum dos citados na matéria retorne nosso contato, esta matéria poderá ser atualizada.

Fonte: Portal Serra do Norte

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