Ameaça ao pequi: o desafio da praga que vem devorando o símbolo do cerrado

A broca do pequizeiro
(foto: Antônio Cláudio Costa/Divulgação)
Pequizal no Norte de Minas Gerais: sob ameaça, força da natureza ganha apoio da ciência e proteção de produtores e catadores
(foto: Luiz Ribeiro/EM/D.a press)

(Por Luiz Ribeiro, EM) Na bifurcação de uma estrada de terra que dá acesso às comunidades de Nova Minda e Melancias, na zona rural de Japonvar, a 12 quilômetros da área urbana da cidade do Norte de Minas, ao longo de décadas, um majestoso pé de pequi chamava a atenção de quem passava por lá. Mas, com cerca de 17 metros de altura, conhecida popularmente como o Pequizeirão do Entroncamento de Nova Minda, a imponente árvore morreu há cinco anos. Hoje, ainda se destaca, mas por causa do tronco e galhos secos, que são uma sombra da exuberância de outros tempos.

Cenas como essa, de pequizeiros mortos, se multiplicam em outras comunidades do Norte de Minas. Resultado de uma praga que tem atacado a espécie, causando enormes prejuízos à região.

Produtores, técnicos e pesquisadores travam uma luta contra a broca-do-tronco do pequizeiro, vista como uma ameaça ao fruto símbolo do cerrado. Estimativas apontam que desde que foi identificada, há oito anos, a larva colocou fim à vida de milhares de árvores na região, ao se alimentar da parte lenhosa do tronco (cerne). Com isso, impede a passagem da seiva, que alimenta a planta, levando-a parar de produzir, até provocar sua morte.

“Se fosse em humanos, é como se a lagarta, ao longo do tempo, cortasse as veias que levam o sangue e oxigênio para todas as partes do corpo. Daí a morte da planta por partes, desde as raízes até os galhos mais altos, pois, se não recebem a seiva, eles vão morrer”, explica Fernando Cardoso de Oliveira, técnico da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais (Emater-MG).

Cada pequizeiro que interrompe a produção ou morre significa perda de alimento e menos dinheiro circulando nos pequenos municípios norte-mineiros, já que nesses locais a espécie nativa do cerrado exerce grande influência econômica e social. No caso de Japonvar, estudos apontam que em torno dos 50% dos pés de pequi do município foram atacados pela praga, causando grande baque na vida da população, já que 63% dos cerca de 8,3 mil habitantes locais recebem algum dinheiro catando o fruto no mato ou revendendo-o durante a safra, segundo estudo Emater-MG.

Como maneira de amenizar os prejuízos e salvar a espécie, surgiu na região a iniciativa de produzir mudas da planta para recompor os pequizais. Mas a grande esperança no combate à broca do pequizeiro vem da ciência e da tecnologia. Está em andamento no Norte do estado uma pesquisa que visa desenvolver uma forma eficaz de combater e evitar a reprodução do inseto que ataca as árvores do fruto símbolo do cerrado, também conhecido como o “ouro” ou a “carne do sertão”.

O estudo é coordenado por Antônio Cláudio Ferreira Costa, pesquisador do Laboratório de Entomologia da unidade da Empresa de Pesquisa Agropecuária do Estado de Minas Gerais (Epamig) em Nova Porteirinha, no Norte de Minas. Segundo ele, o trabalho consiste em um estudo do controle da população da broca do pequizeiro, “usando princípios agroecológicos e a colaboração dos produtores rurais proprietários dos pequizeiros, dos catadores de pequi e dos extensionistas da Emater-MG”.

“O objetivo é extrair a substância que a mariposa fêmea libera para atrair os machos (feromônio sexual feminino) e utilizá-la como isca em armadilhas para capturar os machos e, assim, reduzir a multiplicação do inseto”, explica Costa. O pesquisador salienta que o estudo foi iniciado em 2019, após a Emater-MG ter procurado o Laboratório da Epamig em Nova Porteirinha, no chamado Campo Experimental do Gorutuba. O experimento tem financiamento do Fundo Pró-Pequi de Minas Gerais, com o apoio das prefeituras dos municípios atingidos pela broca.

O estudioso da Epamig lembra que a ocorrência da praga que ataca a árvore símbolo do cerrado não está restrita ao Norte de Minas. O inseto já foi coletado em pequizeiros em Sete Lagoas, na Região Central mineira, e no vizinho estado de Goiás.

ATAQUES REDUZEM RESISTÊNCIA À SECA
O pesquisador Antônio Cláudio Costa salienta que a broca do pequizeiro acaba deixando os pés de pequi menos resistentes ao clima semiárido e mais expostos a doenças e ataques de outros insetos. “O ataque da lagarta causa redução na circulação da seiva, tornando os pequizeiros menos produtivos, mais suscetíveis a doenças e a outras pragas, além de ficarem menos tolerantes a estiagens prolongadas e ventos fortes”, explica.

O técnico da Emater-MG Fernando Cardoso ressalta que a colheita predatória, quando se arranca o fruto no pé – o ideal é esperar que caia ao chão –, acaba facilitando o ataque da praga. “Quando a pessoa retira o pequi do pé antes do tempo correto, sem esperar o fruto cair, deixa uma lesão na planta, que acaba servindo como porta de entrada para doenças e pragas. Isso facilita o ataque da broca”, explica Cardoso.

Ele ressalta que no Norte de Minas Gerais houve um ataque mais severo aos pequizeiros em 2017, com maior incidência nos lugares onde mais se cata o fruto da espécie nativa.

União contra a ameaça biológica
Diante da ameaça biológica aos pequizais, em municípios do Norte de Minas Gerais, está sendo promovida mobilização de produtores rurais proprietários de pequizeiros e de catadores de pequi para participar da pesquisa para controle da broca do pequizeiro. A ideia é que o combate ocorra sem agrotóxicos, mas aplicando informações sobre a comunicação química entre mariposas machos e fêmeas da praga. Porém, especialistas advertem que esse tipo de iniciativa não pode ser localizada.

Hoje, a ação conta com a parceria de extensionistas da Emater-MG, sindicatos rurais, associações de produtores e prefeituras. “É necessário expandir essa iniciativa, transformando-a em campanha de mobilização para todas as regiões de ocorrência de pequizeiros no estado de Minas Gerais. Por isso, convocamos todos os cidadãos mineiros a se juntarem a esse esforço para preservar o pequizeiro e a sustentabilidade do extrativismo do pequi”, conclama o pesquisador da Epamig Antônio Cláudio Costa.

Ele pede ainda a todos que perceberem algum sinal de ataque da broca do pequizeiro em suas propriedades que comuniquem a ocorrência à Epamig, por e-mail (faleconosco@epamig.br ou antonio.costa@epamig.br) ou que avisem os técnicos de algum escritório local da Emater-MG.

PLANTIO COLETIVO
Diante do ataque da broca do pequizeiro, agricultores, técnicos e entidades têm feito um esforço coletivo para plantar mudas de pequi e, assim, amenizar os prejuízos causados pela praga, afastando a ameaça de extinção da espécie nativa do cerrado.
Essa mobilização ocorre em cidades como Lontra, de 9,8 mil habitantes, onde a Emater-MG criou um viveiro de mudas de pequizeiro contando com o apoio da prefeitura local e do Instituto Estadual de Florestas (IEF). Conta também com participação direta de pequenos produtores rurais e catadores de pequi da região, que atuam como voluntários.

O viveiro foi instalado nos segundo semestre de 2022, com o cultivo inicial de 1 mil mudas. Mas é um trabalho que exige paciência. A semente de pequi, em condições naturais, demora de 60 a 90 dias para germinar. O técnico da Emater Ramon Gonçalves, responsável pela criação do viveiro, explica que, para reduzir o tempo de produção de mudas, está sendo usado o ácido giberélico, um hormônio vegetal encontrado no mercado.

Antes de ser plantada, a semente fica submersa por um período de dois a quatro dias em solução de água misturada ao ácido. A substância eleva a capacidade de germinação da semente de pequi, que, com a tecnologia, demora de 40 a 60 dias para brotar.
Uma das voluntárias do viveiro de mudas é Maria Valdete da Silva Niz, presidente da Associação dos Pequenos Produtores e Moradores da Comunidade da Vila União, no município de Lontra. Ela considera que a produção de mudas é a esperança para evitar o sumiço da espécie nativa do cerrado, diante do ataque da broca do pequizeiro, que tem causado a morte de árvores de mais de meio século na região.


“A gente vai recompor as áreas de pequizais que tiveram muitas perdas com o ataque da praga”, projeta Maria Valdete, que contribui com o viveiro de mudas cedendo sementes de pequi.

PARCERIA
O comerciante de pequi Joaquim Antunes, de Japonvar, também resolveu agir em prol da manutenção dos pequizais que garantem o movimento do seu negócio. Ele adquiriu 550 mudas no Mato Grosso, que foram distribuídas para proprietários rurais do Norte de Minas. A maioria foi destinada a dois sitiantes em forma de parceria – quando as plantas começarem a produzir (no prazo de cinco a seis anos), eles devem dividir a colheita com Joaquim.
O pesquisador Antônio Cláudio Ferreira Costa, da Epamig, ressalta a relevância da ação dos agricultores e catadores de pequi ao plantar mudas da espécie. “É uma iniciativa que merece elogios porque, além do empreendedorismo de obter renda com os futuros pomares de pequizeiros, também colabora com a preservação do material genético (a biodiversidade) dos pequizeiros em Minas Gerais. Por isso, é essencial que pequizais plantados sejam formados a partir de sementes de plantas da mesma região”, conclui o pesquisador da Epamig.

Tesouro atual era lenha para carvão
Em Japonvar, um dos polos de colheita do pequi no Norte de Minas Gerais, o agricultor e comerciante Ednaldo Pereira Barbosa, de 54 anos, recorda que, quando era criança, em meados da década de 1970, a atividade carvoeira se expandiu na região, servindo como alternativa de renda diante de forte seca.
“Recordo-me de que o pequizeiros eram derrubados para fazer carvão, pois a madeira não tinha outra serventia”, diz o Ednaldo. Na época, ainda não existia a proibição do corte da árvore símbolo do cerrado em Minas, efetivada pela Lei Estadual 10.883, de 2 de outubro de 1992.

Passadas várias décadas, o morador de Japonvar destaca que a situação da espécie nativa é outra. “Hoje, o pequizeiro é uma das principais fontes de renda do Norte de Minas”, assegura Ednaldo, que, além de produtor rural, tornou-se um dos grandes comerciantes do fruto na região. Ele compra o produto de catadores de Japonvar e de diversos outros municípios do entorno e o revende para outras regiões de Minas e para Brasília, Goiás e Bahia. Nesta safra, ele estima que deve comercializar 10 mil caixas vendidas, 25% a mais que as 8 mil caixas da colheita anterior.

Como agricultor, Ednaldo também se dedica à proteção da espécie nativa. Ele tem duas glebas de terra no município, que somam 70 hectares, onde há cerca de 2 mil pés de pequi. “Além de preservar os existentes quero plantar mais”, afirma, lembrando que vem investindo na melhoria da estrutura das propriedades rurais. Para isso, recorreu a empréstimos do Fundo Constitucional de Desenvolvimento do Nordeste (FNE).
A broca do pequizeiro

A lagarta que se alimenta do cerne do tronco do pequizeiro é a fase jovem de uma mariposa que na vida adulta põe ovos na casca da árvore. Quando eles eclodem, as lagartinhas bem pequenas procuram formas de penetrar no tronco, do qual se alimentam. O sinal de ataque é a presença das fezes da praga no solo, próximo ao tronco. Ao se alimentar, as larvas abrem galerias internas, tanto na direção da copa quanto da raiz, o que vai interrompendo o fluxo de seiva para diversas partes da planta, até matá-la.

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