Igrejas da história religiosa de Minas serão resgatadas em duas cidades
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Matriz de Nossa Senhora da Conceição, de Matias Cardoso, Norte de Minas, há 100 anos espera por obras |
Duas das mais antigas igrejas de Minas, ambas em louvor a Nossa Senhora da Conceição, têm recursos assegurados da iniciativa privada para restauração. Uma está interditada desde 2005, para tristeza dos católicos e defensores do patrimônio cultural de Conceição do Mato Dentro, na Região Central, a 175 quilômetros de Belo Horizonte. A outra, em Matias Cardoso, na Região Norte considerada uma das primeiras do estado, continua aberta para missas, casamentos e outras cerimônias, embora sempre levando muita preocupação à comunidade religiosa, devido ao seu estado precário. “Estamos muito felizes com a obra, que demandará recursos em torno de R$ 4 milhões”, disse, ontem, o integrante do Conselho Pastoral Paroquial e responsável pelo acervo da paróquia, Alexandre José de Assis.
Tombada em 1948 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a matriz de Conceição do Mato Dentro apresenta uma série de problemas estruturais e nos elementos artísticos. Entre as questões mais graves estão o torre, sem telhado, e o madeirame, que cede lentamente, havendo risco de ruir. “Não queremos mais intervenções paliativas, agora elas precisam ser definitivas”, afirmou Alexandre, certo de que a obra geral terá início em 15 dias. Ele lembrou que a urgência se deve, principalmente, à temporada de chuvas, um fator de alto risco para o patrimônio colonial em estado precário. Os recursos para salvar o templo construído no início do século 18 são do grupo Anglo American, disse o superintendente do Iphan em Minas, Leonardo Barreto de Oliveira. Ele explica que um pré-projeto arquitetônico já foi aprovado pela instituição.
Desde a interdição, há sete anos, da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, padroeira de Conceição do Mato Dentro, as missas e outras cerimônias religiosas são realizadas no Santuário do Senhor Bom Jesus do Matosinhos. Mas em nenhum momento a comunidade católica deixou de se preocupar com o templo barroco ou se esquece de sua história, iniciada no início do século 18. Segundo os estudiosos, a edificação começou por iniciativa do sertanista e desbravador Gabriel Ponce de Leon, que mandou vir de Itu (SP), em 1703, a imagem da padroeira, além de contribuir com doações para a construção da igreja. Em 1722, o templo já realizava cultos, mas as obras se estenderam por todo o século 18, devido à falta de recursos para terminá-la. Só em 1722 o auxílio real permitiu que fosse dado prosseguimento às obras, as quais foram concluídas há 210 anos.
No interior, a sacristia exibe magnífico conjunto de pinturas constituído pelo painel do forro, de autoria desconhecida e por uma série de painéis laterais cuja atribuição até hoje gera polêmica: não se sabe ao certo se a obra é de autoria de Silvestre de Almeida Lopes, um dos mais importantes artistas da região do Serro e Diamantina, ou a Manoel da Costa Ataíde, um mestre da arte colonial. Nessas pinturas, estão representadas cenas da Paixão de Cristo, consideradas pelo historiador Rodrigo Melo de Andrade “uma das mais encantadoras e delicadas do patrimônio de arte religiosa do país”. A igreja passou por vários trabalhos de reparo e restauração, mas hoje, conforme os moradores, exige cuidados mais do que urgentes, para não desaparecer do mapa.
Fiéis na expectativa
Em Matias Cardoso, a 685 quilômetros de Belo Horizonte, a expectativa também é grande – aliás, na mesma intensidade das preocupações. A última grande restauração da Matriz de Nossa Senhora da Imaculada Conceição ocorreu há 100 anos. Em 2008, ladrões furtaram três imagens do altar – Santa Maria, Sant’Anna e São Miguel. E há mais de uma década os fiéis esperam ações para garantir a integridade do templo. Construída entre 1670 e 1673, a igreja deverá sair da lista de bens em estado degradação para conhecer os bons ares da recuperação. Segundo informações do Iphan, estão assegurados os recursos da mineradora MMX. “Graças a Deus, o serviço finalmente será feito. Estamos muito felizes e estamos esperançosos”, salientou o teólogo Daniel Cordeiro Martins, responsável pela paróquia local.
O superintendente do Iphan informa que foi feito, em 2010, o projeto para segurança e instalação elétrica da matriz de Matias Cardoso, faltando o arquitetônico, que será elaborado agora. “Não sabemos ainda o valor total da intervenção”, afirmou Leonardo, explicando que os recursos se referem a uma condicionante ambiental para implantação do empreendimento. Na verdade, o dinheiro seria para recuperar a estação ferroviária de Fecho do Funil, em São Joaquim de Bicas, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), mas como o terreno está invadido e fica em área isolada, o Iphan conseguiu sensibilizar a direção da mineração e transferir o investimento para Matias Cardoso. O templo é tombado pelo Iphan há 58 anos.
Pequenos reparos
“A degradação da igreja de Matias Cardoso é gritante, havendo problemas nas estruturas e nos elementos artísticos”, destacou Daniel: “Houve pequenos reparos nos últimos anos, mas o último trabalho de restauro ocorreu em 1912. Já passou da hora de consertar, pois, para a população da cidade, esta é a primeira igreja de Minas” – de acordo com especialistas, a primazia de ter a primeira igreja matriz de Minas é disputada por moradores de Sabará e Raposos, na RMBH. Em Sabará, documentos queimados no início do século 20, por um padre, impedem a identificação da data exata. Com entusiasmo, o teólogo revela que saiu satisfeito da última reunião para sacramentar a liberação dos recursos.
A elaboração do projeto, que custará em torno de R$ 250 mil, deverá ser apresentado ao Iphan, para avaliação, ainda este ano, com promessa de início das obras no primeiro trimestre de 2013. O projeto terá a parceria do governo de Minas, por meio do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG), na questão dos elementos artísticos, e apoio do Ministério Público do estado, via Coordenadoria das Promotorias de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico (CPPC). “Os dois projetos, de Conceição do Mato Dentro e de Matias Cardoso, são importantes e aguardados pela comunidade”, disse Leonardo.
Bandeiras no sertão
A história da Matriz de Matias Cardoso, na Região Norte, está ligada a incursões de bandeirantes paulistas no sertão mineiro em busca de ouro e pedras preciosas. Constam como fundadores do Arraial de Morrinhos, hoje Matias Cardoso, os sertanistas Matias Cardoso de Almeida, seu filho, Januário Cardoso, e Antônio Gonçalves Figueiras, entre outros, que desbravaram o território entre o Morro do Chapéu e as vertentes do Rio Pardo, até a confluência do Rio das Velhas, afluente do São Francisco.
A edificação, em forma de fortaleza, apresenta boa qualidade construtiva, com estrutura em alvenaria de tijolos requeimados. Cercando a construção, muro com colunas nos ângulos e nos portões. Na fachada, três portas guarnecidas de cimalhas, com folhas almofadadas, sendo a central de maiores proporções.
O frontão, separado da fachada por cornija, é constituído pela empena alta encimada pela cruz, em ângulo correspondente às águas do telhado, e pequeno óculo circular. Apresenta duas torres laterais, quadrangulares. As janelas sineiras, sem sinos, são em arcos semicirculares. O telhado, de dois níveis, é rebaixado no encontro dos fundos da capela-mor. Na lateral, a igreja apresenta uma sucessão de arcos semicirculares, formando um avarandado no térreo, sob os corredores superiores. O interior é simples: os altares são destituídos das características barrocas de Ouro Preto, Mariana, São João del-Rei e Sabará.
Memória
Furtos seguidos
Na madrugada de 3 de agosto de 2008, ladrões furtaram três imagens – Santa Maria, Sant’Anna e São Miguel, as três com 50cm de altura –, que estavam em dois oratórios da Matriz de Nossa Senhora da Imaculada Conceição, em Matias Cardoso. Segundo o então titular da paróquia, Adailton Oliveira Costa, os objetos sacros eram da época de inauguração do templo católico. Na manhã do dia 4, a igreja foi encontrada aberta pelo zelador, José Luiz Pereira de Oliveira. No chão havia uma chave de fenda, usada para o arrombamento, o Menino Jesus que estava no colar de Santa Maria, a balança de São Miguel e um pedaço de um dedo de uma imagem e o resto de um cigarro. “A restauração contemplará a segurança”, diz oteólogo Daniel Cordeiro Martins, atualmente responsável pela paróquia.
Pablo de Melo
pablo-labs@hotmail.com
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