Janaúba e o mel de melato: a descoberta de uma tradição

(Hoje em Dia) Ele é mais escuro, um pouco menos doce e bem mais saudável. Apesar de tradicional, o mel de melato foi descoberto há apenas seis anos pelos pesquisadores da Fundação Ezequiel Dias, a Funed.
“Um amigo trouxe para mim de Janaúba e disse que era um mel diferente. Percebi que ele não cristalizava no tempo frio e fui pesquisar”, lembra Esther Bastos, diretora de Pesquisa e Desenvolvimento da Funed.
Nas regiões do Jequitinhonha, São Francisco, Sertão Veredas, partes dos territórios do Espinhaço e do Cerrado, não há chuvas de maio a dezembro e o período de floração das árvores é muito curto. Sem as flores, a natureza encarregou-se de suprir o trabalho das abelhas e providenciou outro tipo de néctar.
Um pulgão que vive na Mata Seca - uma área de transição entre o cerrado, a caatinga e a Mata Atlântica - é o fator surpresa dessa história que pode melhorar a vida de centenas de pessoas nas áreas mais pobres do estado.
“O pulgão come a casca das aroeiras. No processo de digestão, ele produz dois tipos de açúcar diferentes, a melezitose e a erlose. A substância doce que o pulgão elimina é o melato e a abelha recolhe esse líquido e faz o mel”, explica a pesquisadora que hoje trabalha para conseguir a Denominação de Origem do mel de melato junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial, o INPI.
Em parceria com a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) e financiado pelo Banco do Nordeste, o projeto da Funed está mapeando toda a cadeia produtiva do mel de melato. Já são 57 municípios e mais de 300 produtores identificados. Com a certificação, o produto passaria a ter uma chancela similar a dos vinhos espumantes da região de Champagne, na França.
“É uma possibilidade a mais de renda para famílias em situação de risco. Na Europa, por exemplo, o mel de melato feito na Floresta Negra, na Alemanha, é muito mais caro e valorizado que o mel de florada”, afirma Esther.
O amigo que deu o pote de mel de presente para a pesquisadora é José Calazans, hoje presidente da Federação Mineira de Apicultura. Ele vive em Janaúba há 35 anos e espera ansioso pelo selo do INPI. “Estamos vivendo uma seca histórica, sem precedentes, e o mel de melato é uma fonte de renda que independe da chuva. Quando o mel estiver mais valorizado, poderemos resolver o problema de muitas famílias”, avalia Calazans.
O mel de melato, por ser mais escuro, nunca teve valor comercial. O apicultor conta que “as pessoas olham para o mel de melato e acham que ele é misturado ou feito com rapadura. Isso é um equívoco”.
O mel de melato pode tornar-se ainda mais valorizado. Os pesquisadores da Funed descobriram propriedades medicinais na substância. Ela tem ação antimicrobiana e combate a bactéria H. Pylori, causadora de gastrite, úlcera e até câncer de estômago. “Já ouvimos relatos de pessoas com gastrite que tomaram o mel de melato e pararam de ter refluxo, por exemplo. O efeito é rápido e parece ser muito benéfico”, conclui Esther.
O trabalho com o mel de melato já começa a dar frutos para quem mais precisa, afirma José Calazans:
“Neste ano, toda a produção foi vendida, coisa que nunca acontecia. Agora, temos que organizar os produtores para que os lucros da produção do mel fiquem na região”.

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