O RIO GORUTUBA E AS ÁGUAS DE JANAÚBA

(Por HAROLDO ROBERTO CANGUSSU) Mais uma vez, como de costume, a região passa por um momento crítico de deficiência hídrica. Entramos na terceira temporada consecutiva de pouca chuva e o reflexo mais visível é a situação do nível da água na Barragem do Bico da Pedra que está perigosamente muito baixo. A impressão que se tem atualmente é que ela chegou na situação mais dramática da sua história. Mas, não é verdade. Na existência do barramento essa talvez seja a terceira vez que isto acontece. Pergunte aos moradores antigos dos locais próximos à região à jusante e eles confirmarão.
A diferença, para hoje, é que a demanda por água é absolutamente muito maior que nas vezes anteriores em que o lago baixava muito. Atualmente, a necessidade dos irrigantes é gigantesca, o entorno está quase totalmente ocupado e a população aumentou consideravelmente. Daí o impacto ser proporcional ao aumento populacional.
Todos que moramos em Janaúba e região sabemos da extrema importância que este manancial tem na vida e na história da cidade. Muitos, que aqui vieram depois da construção da Barragem do Bico da Pedra, em 1978, talvez não entendam como era possível a vida e o crescimento econômico sem esse maravilhoso patrimônio que hoje sustenta as nossas atividades. Por isso, passarei alguns dados históricos sobre Janaúba e região e, particularmente, sobre o Rio Gorutuba, dados esses relembrados no ótimo trabalho (preliminar) da tese de doutorado de Wilde Cardoso Gontijo Junior da Agência Nacional de Águas – ANA.
Segundo a Kuruatuba, ONG chefiada por Luisão, o nome Gorutuba deriva da palavra indígena kuruatuba que significa “sapo grande” que, ao longo dos anos, foi simplificado para “Gorutuba”.
Habitada originalmente pelos povos indígenas, a região passou a receber novos moradores a partir da ocupação dos vaqueiros, ainda no século XVII, promovida pelos paulistas e baianos que vinham pelo rio São Francisco para consolidar o domínio português no interior do país (MATA-MACHADO, 1991).
O rio São Francisco e o Verde Grande, do qual o Gorutuba é afluente, tiveram papel fundamental na ocupação da região norte de Minas, servindo de via para transporte de mercadorias e pessoas. Portanto, era estratégico que os povoados ficassem localizados às margens dos primeiros, rios navegáveis que serviam à comercialização. A população original dos grupos indígenas acabou sendo exterminada ou capturada pelas expedições bandeirantes tendo como principal expoente o tenente-general Matias Cardoso, nos idos de 1690. Foram, então, fundadas grandes fazendas de gado que nos primeiros anos do século XVIII se tornariam essenciais para o abastecimento de carne e de seus subprodutos para as terras das Gerais. Matias um primeiro arraial à beira do São Francisco, enquanto a família dos Figueiras, que fazia parte da comitiva de Matias, fixou-se junto ao rio Verde Grande, fundando o arraial de Formigas, mais tarde Montes Claros (FAGUNDES e MARTINS, 2002).
Além da criação de gado, os ribeirinhos aproveitavam o ritmo hidrológico anual dos rios para plantarem nas margens férteis, derrubando quase sempre suas matas ciliares, e se ocupavam da pesca como complemento a sua subsistência. O vale do rio Gorutuba, no entanto, teve uma ocupação mais lenta. Servia, sobretudo como caminho das expedições entre Montes Claros e a Bahia. Por sua pequena densidade populacional, era muito utilizado como refúgio de escravos. Ali foram instaladas inúmeras comunidades quilombolas, os chamados gurutubanos. Somente no município de Janaúba, foram atualmente identificadas quinze comunidades remanescentes. Os pequenos afluentes e o Gorutuba tornaram-se insumo para uma economia local baseada, principalmente, na pecuária e na agricultura de subsistência.
Somente em meados dos anos 1940, inicia-se processo de intensificação do povoamento da região impulsionado pela construção da linha férrea Central do Brasil. No então distrito de Janaúba, pertencente à vizinha Francisco de Sá, foi edificada uma das estações da ferrovia. Mais uma vez a região desenvolvia-se como via de ligação com a Bahia. Dessa vez, porém, o núcleo urbano começou a se expandir em torno da estação Janaúba que, em 1948, é transformada em município emancipado.
Mas, o divisor para o salto desenvolvimentista que hoje atravessa a cidade de Janaúba foi, realmente, a dominação das águas do Gorutuba através da construção da Barragem do Bico da Pedra.


Pablo de Melo
pablo-labs@hotmail.com

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