Patrimônio mineiro, igreja inacabada do século 17 sofre com vandalismo
Apesar de ter sido tombada, ruína ligada à história do bandeirante Fernão Dias e que virou cartão-postal continua a ser alvo de pichações
Paulo Henrique Lobato
Paulo Henrique Lobato
Barra do Guaicuí – O sertanejo Charlysson Nunes exerce múltiplas funções no Norte de Minas, de servente de pedreiro a guia turístico, mas o que o deixa com um sorriso que parece não ter fim é começar a contar histórias e estórias de Barra do Guaicuí, distrito de Várzea da Palma, a 800 metros de onde o Rio São Francisco engole o Velhas e a 370 quilômetros de Belo Horizonte. Um dos causos prediletos do rapaz é sobre a inacabada igreja de pedras de Bom Jesus de Matozinhos, onde vingou uma imponente gameleira no lugar em que deveria existir uma torre.
“Sabe como a árvore foi parar lá?”, pergunta. E ele mesmo responde: “Obra de um passarinho, de um bem-te-vi. Tinha uma sementinha nas fezes do bichinho”. Ele é encantado com a imagem da raiz abraçando parte do templo. Mas algo no cartão-postal do lugarejo, onde moram em torno de 4 mil pessoas, o incomoda. Aliás, o tira do sério. O interior da Bom Jesus é alvo constante de vândalos. As paredes estão cheias de frases, nomes e símbolos grafados com facas, estiletes, chaves e outros instrumentos.
O prazer de vândalos em marcar a ruína é um ataque ao patrimônio público e à história da Bom Jesus de Matozinhos. A igreja começou a ser erguida no século 17. Por algum motivo que ninguém sabe explicar, a obra não foi acabada. Há várias teses e lendas sobre o tema. Uma diz que os operários morreram de malária. Outra sustenta que a construção foi interrompida ao se constatar que o leito do Velhas, a menos de 10 metros de lá, inundaria o templo em época de enchente.
O certo é que a Bom Jesus e o distrito inspiraram várias pessoas do meio cultural. Guimarães Rosa (1908-1967), por exemplo, descreveu Barra do Guaicuí em Grande sertão: veredas, sua obra mais importante, publicada pela primeira vez em 1956. O escritor mineiro escolheu Guararavacã do Guaicuí, como ele se refere ao povoado, para ser o lugar em que Riobaldo Tatarana, o protagonista, descobriu que amava Diadorim, a personagem que se vestia de homem e que “nasceu para o dever de guerrear e nunca ter medo, e mais para muito amar, sem gozo de amor (...)”.
Foi assim: “A Guararavacã do Guaicuí: o senhor tome nota desse nome... Mas foi nesse lugar, no tempo dito, que meus destinos foram fechados. Será que tem um ponto certo, dele a gente não podendo mais voltar pra trás? Travessia de minha vida. Guararavacã. O senhor vá escutando. Aquele lugar. O ar. Primeiro fiquei sabendo que gostava de Diadorim – de amor mesmo amor, mal encoberto em amizade”.
Dizem que Rosa não tem leitores. Tem fã-clube. Todos os anos, centenas de homens e mulheres que devoram seus livros vão a Guaicuí conhecer o templo e outras atrações do lugarejo. Quem tem a sorte de se encontrar com Charlysson logo aprende alguns causos. “Bem aqui (ao lado da igreja) ficava o cemitério. Há corpos sepultados debaixo de onde estou pisando”, garante o rapaz. A avó dele, acrescenta, sustenta que há um túnel, em torno de três quilômetros, que liga o templo a uma outra área onde há corpos sepultados.
A imagem da ruína da Bom Jesus sempre esteve ligada ao conceito de morte. Pelo menos é o que contam por aquelas bandas. Além da versão de que o tempo não foi concluído porque os operários morreram de malária, há quem sustente que Fernão Dias (1608-1681), o paulista cuja bandeira deu origem a várias cidades de uma região inóspita que viria a ser Minas Gerais, foi vítima de uma peste e fechou os olhos para sempre ao lado da igreja inacabada.
A menos de um quilômetro da Bom Jesus, há uma praça com a imagem do bandeirante. O nome homenageia o paulista. Durante parte do dia, o pintor Alex Alves Batista, de 50, descansa num dos bancos de lá. Em frente à praça, há outra igreja católica. “O sino é de 1779”, conta Alex. Ele defende a presença de vigias 24 horas para proteger a ruína da Bom Jesus.
O templo inacabado é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha). O instituto estadual usou o depoimento de Richard Burton, um viajante que percorreu a região na década de 1860, como parte do conteúdo que justificou o tombamento.
“Toda em pedra de cantaria e cal mostra que, no tempo da colônia, o lugar conheceu melhores dias; como sempre, é uma obra semiconstruída (…). A entrada do lado sul nunca chegou a ser coberta por um telhado; na sacristia, a leste, só há caibros e o campanário não passa de três barras de madeira, em forma de forca, sustentando o sino. Pilastras e púlpitos de pedra estão condenados a não passar de embriões e um arco de alvenaria destinada a marcar o lugar do altar-mor, ao norte, está coberto de ervas-daninhas”, escreveu o viajante.
“Sabe como a árvore foi parar lá?”, pergunta. E ele mesmo responde: “Obra de um passarinho, de um bem-te-vi. Tinha uma sementinha nas fezes do bichinho”. Ele é encantado com a imagem da raiz abraçando parte do templo. Mas algo no cartão-postal do lugarejo, onde moram em torno de 4 mil pessoas, o incomoda. Aliás, o tira do sério. O interior da Bom Jesus é alvo constante de vândalos. As paredes estão cheias de frases, nomes e símbolos grafados com facas, estiletes, chaves e outros instrumentos.
O prazer de vândalos em marcar a ruína é um ataque ao patrimônio público e à história da Bom Jesus de Matozinhos. A igreja começou a ser erguida no século 17. Por algum motivo que ninguém sabe explicar, a obra não foi acabada. Há várias teses e lendas sobre o tema. Uma diz que os operários morreram de malária. Outra sustenta que a construção foi interrompida ao se constatar que o leito do Velhas, a menos de 10 metros de lá, inundaria o templo em época de enchente.
O certo é que a Bom Jesus e o distrito inspiraram várias pessoas do meio cultural. Guimarães Rosa (1908-1967), por exemplo, descreveu Barra do Guaicuí em Grande sertão: veredas, sua obra mais importante, publicada pela primeira vez em 1956. O escritor mineiro escolheu Guararavacã do Guaicuí, como ele se refere ao povoado, para ser o lugar em que Riobaldo Tatarana, o protagonista, descobriu que amava Diadorim, a personagem que se vestia de homem e que “nasceu para o dever de guerrear e nunca ter medo, e mais para muito amar, sem gozo de amor (...)”.
Foi assim: “A Guararavacã do Guaicuí: o senhor tome nota desse nome... Mas foi nesse lugar, no tempo dito, que meus destinos foram fechados. Será que tem um ponto certo, dele a gente não podendo mais voltar pra trás? Travessia de minha vida. Guararavacã. O senhor vá escutando. Aquele lugar. O ar. Primeiro fiquei sabendo que gostava de Diadorim – de amor mesmo amor, mal encoberto em amizade”.
Dizem que Rosa não tem leitores. Tem fã-clube. Todos os anos, centenas de homens e mulheres que devoram seus livros vão a Guaicuí conhecer o templo e outras atrações do lugarejo. Quem tem a sorte de se encontrar com Charlysson logo aprende alguns causos. “Bem aqui (ao lado da igreja) ficava o cemitério. Há corpos sepultados debaixo de onde estou pisando”, garante o rapaz. A avó dele, acrescenta, sustenta que há um túnel, em torno de três quilômetros, que liga o templo a uma outra área onde há corpos sepultados.
A imagem da ruína da Bom Jesus sempre esteve ligada ao conceito de morte. Pelo menos é o que contam por aquelas bandas. Além da versão de que o tempo não foi concluído porque os operários morreram de malária, há quem sustente que Fernão Dias (1608-1681), o paulista cuja bandeira deu origem a várias cidades de uma região inóspita que viria a ser Minas Gerais, foi vítima de uma peste e fechou os olhos para sempre ao lado da igreja inacabada.
A menos de um quilômetro da Bom Jesus, há uma praça com a imagem do bandeirante. O nome homenageia o paulista. Durante parte do dia, o pintor Alex Alves Batista, de 50, descansa num dos bancos de lá. Em frente à praça, há outra igreja católica. “O sino é de 1779”, conta Alex. Ele defende a presença de vigias 24 horas para proteger a ruína da Bom Jesus.
O templo inacabado é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha). O instituto estadual usou o depoimento de Richard Burton, um viajante que percorreu a região na década de 1860, como parte do conteúdo que justificou o tombamento.
“Toda em pedra de cantaria e cal mostra que, no tempo da colônia, o lugar conheceu melhores dias; como sempre, é uma obra semiconstruída (…). A entrada do lado sul nunca chegou a ser coberta por um telhado; na sacristia, a leste, só há caibros e o campanário não passa de três barras de madeira, em forma de forca, sustentando o sino. Pilastras e púlpitos de pedra estão condenados a não passar de embriões e um arco de alvenaria destinada a marcar o lugar do altar-mor, ao norte, está coberto de ervas-daninhas”, escreveu o viajante.
O sertanejo Charlysson Nunes no papel de guia turístico: encanto pelas ruínas e irritação com ataques ao monumento (foto: Paulo Filgueiras/EM/DA Press) |
Nas paredes internas do templo, marcas do desrespeito pelo patrimônio histórico gravadas com facas e estiletes (foto: Paulo Filgueiras/EM/DA Press) |
Pablo de Melo
pablo-labs@hotmail.com
Fonte: EM
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