Tragédia em Janaúba ainda traz preocupações, mesmo sete meses depois


(WebTerra) Era manhã de 5 de outubro. A vida gorutubana nunca mais foi à mesma. Um dia para ser como os outros na rotina da comunidade escolar. Mas aquela manhã a vida de milhares de pessoas tomou outros rumos, alguns de desolamento, perdas irreparáveis. Para outros, esperança. Mas no coração de todas as pessoas o mesmo sentimento de injustiça. Questionamentos? Dos mais variados.

A tragédia foi provocada pelo vigia, Damião Soares dos Santos, de 50 anos, que entrou na unidade e ateou fogo nos funcionários, alunos e no próprio corpo, deixando 14 mortos, sendo dez crianças, duas professoras, a auxiliar de professora e o autor do crime. Dezenas de pessoas ficaram feridas.

A comoção foi nacional. Ajuda veio de todos os lugares do País.

Após sete meses de uma das maiores tragédias de Minas Gerais, o Webterra apresenta como estão às vítimas e os familiares da Creche Gente Inocente, em Janaúba, Norte de Minas, como tem sido o apoio da Prefeitura, como foi o repasse dos recursos.

Uma conta bancária foi criada à época, para receber doações, a SOS Gente Inocente, que arrecadou cerca de R$ 900 mil.

“Ficou acertado que o recurso seria distribuído em escala de gravidade. Então, as pessoas que tiveram óbito na família e danos graves receberiam três salários mínimos, danos intermediários, dois salários e danos leves ou sequelas respiratórias, um salário mínimo”, explica o Promotor de Justiça, Jorge Barreto.

De acordo com a Assessora Especial de Planejamento e Gestão da Secretária de Saúde, Cecília Moreira Freitas, há um dinheiro na conta que será entregue e logo após será encerrada.

“Até semana passada, quando pagamos as últimas parcelas de abril, tinha R$ 480 mil. Dessa quantia, R$ 250 mil será destinado ao projeto de reforma das casas e o restante será dividido de forma igual às 80 famílias”, esclarece a Cecília, gestora da conta.

Repasse de verbas
Luiz Carlos Batista, marido da professora Heley de Abreu Silva Batista, é presidente de uma associação fundada pelas vítimas, a AVTJana. Ele é que está gerindo os recursos arrecadados com eventos promocionais, como o Leilão e o 
Festival Solidário.

“Temos vivido certo abandono, porque a prefeitura recuou a ajuda aos familiares, após a fundação da associação, além da crise que se enfrenta no município. Tem faltado medicamento, transportes para levar as crianças para o tratamento e elas chegam aos hospitais da cidade e não têm médicos”, relata Luiz Carlos.

No dia 18 de março, um dia após a inauguração da nova creche, a associação recebeu um cheque no valor de R$ 100 mil. Luiz Carlos queixa a demora no repasse do dinheiro, já que o leilão foi realizado em novembro.

“Em um leilão, não são todas as pessoas que pagam a vista. Então, neste realizado pelo Sindicato teve muita compra parcelada e a entidade aguardou o pagamento integral e então criou a Avinc. Mas, havia uma dificuldade dos familiares buscar os recursos com a equipe da associação, porque eles trabalhavam e então havia um empecilho e foi decidido criar a AVTJana, que incorporou os direitos e deveres e, por isso, demorou o período de receber o valor”, esclarece o promotor Jorge Barreto.

Segundo o promotor, no dia 26 de abril foi pago mais R$ 60 mil à associação.

“Essa verba é para pagar remédios e cosméticos que não são entregues pelo SUS e cirurgias reparadoras para as vítimas. A primeira prestação de conta será no dia 17 de maio”, afirma.

80% queimado
Flávia Nayara Dias Silva, de 4 anos, teve o corpo 80% do corpo queimado, por causa disso, ela não pôde continuar na casa que morava antes da tragédia.

“Estou morando de aluguel há seis meses e a dona da casa já pediu ela de volta, eu não sei para onde vamos. Estamos aguardando liberar a verba para a reforma das casas, para que eu possa voltar para a minha. Hoje a renda que temos é da indenização que a prefeitura tem nos dado”, explica o pai da criança, Flávio de Oliveira Silva.

Foi acordado, em ata, que parte do valor arrecadado seria destinada à reforma de 14 casas, porque as vítimas não puderam voltaram para as mesmas casas e a construção seria de responsabilidade da prefeitura.

“Acontece que a prefeitura precisaria licitar essa construção e é uma concorrência muito burocrática, que demoraria de oito meses a um ano para finalizar. Então foi feita uma reunião entre a prefeitura e as vítimas para acordar que as vítimas realizariam essas reformas, mas que a prefeitura cederia o projeto, um engenheiro e um pedreiro. Essas reformas foram orçadas em R$ 250 mil. A Câmara autorizou e o valor será repassado a AVTJana”, esclarece o promotor.

Mas, de acordo com Luiz Carlos, presidente da associação, ele escreveu um carta negando o recebimento desse dinheiro e transferindo-o para a prefeitura.

“Nós nos reunimos com nosso advogado, fomos orientados e achamos por bem, após o desgaste de pedir e implorar, a demora que houve, decidimos protocolar uma carta na Câmara que não iríamos assumir mais. A prefeitura prometeu há muito tempo que iria nos entregar um valor para já adiantar, mas depois disse que tinha toda uma burocracia e então mexemos com isso. A conversa de que o dinheiro sair é antiga”, desabafa.

Falta de atendimento
Diversas famílias denunciaram ao Webterra a falta de atendimento dos Hospitais Regional e Fundajan.

A reportagem do Portal entrou em contato com os dois hospitais. No Regional, as ligações não foram atendidas. Já no Fundajan, os dois diretores interinos não estavam disponíveis para atender à equipe.

Foram duas semanas tentando falar com os hospitais, sem nenhuma resposta.

Segundo o promotor Jorge, as vítimas precisam criar a cultura de passar pelo Centro Viva Vida.

“Tanto a Fundajan quanto o Hospital Regional recebem consulta médica após regulação no Centro Viva Vida, o paciente da Gente Inocente precisa ir ao centro, fazer uma triagem e depois saber a qual dos dois hospitais. Se não passar pelo centro, ele será tratado como qualquer outro paciente”, explica.

Assistência às famílias
Além do dinheiro doado à conta SOS Gente Inocente, uma ação civil pública está em tramitação para definir a indenização que a prefeitura dará às vítimas. Para os casos mais graves, o dinheiro já está sendo adiantado, como é o caso da Flávia.

“Durante 12 meses, a partir de fevereiro, a prefeitura iria antecipar o valor, R$ 1.000 para as vitimas graves e R$ 500 para as leves e eles já estão recebendo esse valor. Se ao final do processo estabelece que a indenização será, por exemplo, de R$ 50 mil, a prefeitura termina de pagar os outros R$ 38 mil”, explica.

Segundo Flávio, pai da menina Flávia, a única doação que eles recebem atualmente é esta indenização da prefeitura.
Sobre a falta de medicamentos às vítimas, em nota a prefeitura alega que “Toda a assistência tem sido prestada às vítimas, desde médicos especializados, psicólogos, assistentes sociais, fisioterapeutas, medicamentos, transportes e demais necessidades”.

Já sobre a falta de gasolina, que tem impactado no tratamento de algumas crianças, a prefeitura nega as denúncias dos familiares.

“O que ocorreu, em um intervalo de 24 horas, foi transição de processos licitatórios, em todas as Secretarias Municipais, tão logo sendo restabelecido o abastecimento”.

De acordo com Jorge Barreto, promotor da cidade, as pessoas que denunciam à Promotoria a falta de assistência, uma ação judicial é feita.

“Todas as pessoas que procuram, individualmente, a promotoria cobrando medicamentos, eu tenho requisitado que em 48 horas a prefeitura entregue. Em casos que há urgência e não é entregue, eu entro com uma ação judicial pedindo bloqueio de verba. Inclusive, fizemos isso com uma paciente que teve um tratamento bem custoso, até oncológico. Eu entrei com a ação e a prefeitura não deu o que ela precisava, eu pedi então, o bloqueio de R$70 mil da conta e continua bloqueado, porque não ofereceu o tratamento que ela precisava”, afirma.

A prefeitura garante que, após acabar o valor de doações e indenização, o apoio continuará sendo dado.
“A assistência continuará sendo prestada da mesma forma, uma vez que, a assistência às famílias está sendo realizada com recursos próprios do Município”, assegura em nota.

Dinheiro retirado
R$ 42 mil foram retirados das doações da conta SOS Gente Inocente para construir uma ala de queimados no Hospital Fundajan, mas, a população está descrente.

“Eu não acredito que essa ala será construída, pegou um dinheiro das doações para essa área, que não vai funcionar nunca”, afirma Luiz Carlos Batista.

O valor foi repassado em cheque para a Fundajan e ele permanece em uma conta, já que o hospital está sob intervenção judicial e toda movimentação financeira precisa ser prestada conta ao Juiz.

“Apenas um dos equipamentos custa R$ 42 mil. Para implantar uma ala de queimados com a qualificação que o SUS exige, é necessário cerca de R$ 250 mil, para isso é preciso de apoio, doações e amparo do poder público”, explica o promotor Jorge.

Após sete meses sustentando as famílias e vítimas, o dinheiro da doação tem se esgotado e o que resta a essas pessoas, é a indenização que a prefeitura pagará.

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