Caçadores preparam ‘isca humana’ para atrair Caboclo d’Água
Retrato-falado do Caboclo d'Água feito pela Acam a partir de relatos de moradores que dizem ter visto a criatura. (Foto:Divulgação/ Acam) |
Jaula que será usada para capturar o caboclo. (Foto: Divulgação/Associação de Caçadores de Assombração de Mariana) |
Caçadores da associação sobre armadilha. (Foto: Divulgação/Associação de Caçadores de Assombração de Mariana) |
Quem se arriscar a virar isca, também precisa estar atento. Os dois voluntários – disponíveis “por enquanto”, ressaltou Leandro ao contar da desistência de uma terceira pessoa, temerosa de uma falha no plano – vão passar por exames e consulta médica para atestar se têm capacidade de ficar um dia inteiro na beira do ribeirão e enfrentar o caboclo se necessário. A gaiola de metalon foi fabricada em semelhança às armadilhas de pescadores. Na estratégia traçada pela associação, o Caboclo d’Água vai entrar por um buraco no meio da gaiola, na parte coberta por água, e, assim como os peixes, tentará sair pelas laterais, ficando preso. Neste momento, o voluntário precisa sair por outra entrada, acima da cabeça dele; de preferência, rapidamente.
Mas não vai faltar ajuda. A associação está negociando com a prefeitura da cidade para que uma ambulância fique no local enquanto durar a caçada. E o voluntário assinará um termo de compromisso antes de fazer parte da armadilha.
A criatura já é conhecida por todos da região devido à ferocidade. Os dentes e unhas grandes podem causar estrago, como explica Mucci Kfouri, açougueiro que diz ter encarado o caboclo mais de uma vez. “O bicho é brutal, é muito sinistro. Ele fura a barriga do animal e come as tripas, dentro da cabeça também. E chupa o sangue, mas deixa a carne”, contou. Há dois anos ele o viu fazendo banquete de um boi. “Não é sempre que ele ataca, mas de dois em dois meses ou uma vez no mês tem algo estranho acontecendo”, disse.
Um mapeamento dos pontos de ataque feito pela associação mostra que as aparições estão mais frequentes. Leandro dos Santos acredita que parte do represamento do Ribeirão do Carmo é a causa. Mas as histórias de encontros com o Caboclo d’Água são antigas. Há registros de até 60 anos atrás. “A gente cresceu ouvindo falar nisso aí. É uma história antiga de Barra Longa”, disse Milton Brigolini Neme, professor na Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) e presidente da Acam.
Há também um retrato-falado para ajudar nas buscas. O desenho foi feito a partir dos relatos dos moradores dizem ter estado diante da fera.
Crença
Animal ou assombração? Esta é outra dúvida dos moradores de Barra Longa. Kfouri acredita no sobrenatural: “É um cruzamento estranho. Na mata, você vê tanta coisa diferente. Pode ser o cruzamento de um homem com outra coisa”.
Para Santos, o caboclo é um animal ainda desconhecido pelos cientistas. Ele conversa constantemente com um biólogo argentino, conta, e discutem a possibilidade de haver em Minas um espécime pré-histórico.
Os caçadores às vezes são desacreditados por pessoas “de fora”, que acreditam nas investidas de uma onça. Leandro resolve a dúvida de modo enfático: “Onça não come por dentro da vaca e deixa a parte de fora”.
Vicente Oliveira, também membro da Acam, que trabalha ainda como chefe de segurança da Ufop, explica que a previsão é programar a armadilha para maio, quando o nível do ribeirão terá diminuído. Os protetores dos animais – ou das assombrações – não devem se preocupar. Como ressalta Kfouri não há intenção de ferir o caboclo. “A gente quer pegar ele, não quer matar”, disse o açougueiro, esperando a oportunidade de reencontrar o velho conhecido.
Folclore
“Cada um vê o caboclo do jeito que quer”, afirma o folclorista Carlos Felipe Horta. O especialista explicou que a figura se modifica ao longo da história e dependendo da região, havendo relatos em todo o Brasil e no exterior. Resumindo, é um ser da água, como as sereias e o boto, mito tradicional entre populações ribeirinhas e de áreas litorâneas. Ele destaca ainda os dois maiores cursos d’água do país, de onde exala esoterismo, os rios Amazonas e São Francisco.
E é no Norte de Minas, em Januária, que o caboclo se assemelha a um homem negro e alto, com cabeça em formato de cabaça, cuja diversão é assustar pescadores usando uma faca. Ainda no Norte do estado e no Jequitinhonha, ele também é encarado como o próprio diabo em disfarce para “aprontar” com os humanos.
Mas o caboclo também é uma figura benfazeja para alguns, sempre ajudando na pescaria. Para tal, basta lhe entregar um presente – fumo é o preferido – quando pedido. A recusa termina em um banho de rio.
Horta ressalta ainda que uma característica predomina: ele é um homem-peixe ou peixe-homem. Afinal, as pessoas deram origem ao Caboclo d’Água. “A criação de personagens é sempre humana. Depende dos nossos temores, das nossas crenças”, diz.
Pablo de Melo
pablo-labs@hotmail.com
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