Junior Rocha de Arruda, ao lado de uma cisterna cedida pelo governo federal: a família dele já ficou até três semanas sem abastecimento de água, um direito fundamental
Informações Estado de Minas
A vida de centenas de moradores da zona rural de Cristália, no Norte de Minas Gerais, é marcada pela luta diária contra a escassez de água potável e a ausência de saneamento básico. Em meio à precariedade, histórias como a da agrônoma Leila Ludmila Mendes, de 32 anos, e de sua sogra, Maria Aparecida Alves Martins, de 53, revelam o drama silencioso de famílias que dependem de longos trajetos para ter acesso a um recurso fundamental para a sobrevivência: a água.
Leila, cadeirante há 14 anos em decorrência da neuromielite óptica grave, uma doença rara e incurável, convive com a dificuldade agravada pela condição de saúde. Ao lado da sogra, que também enfrenta uma batalha contra um câncer metastático, precisa buscar água potável a quatro quilômetros de distância, já que o Córrego Boa Sorte, que passa nos fundos do sítio onde vivem, está contaminado e impróprio para consumo humano.
“Como temos pouca mobilidade, a gente depende muito de outras pessoas para ir atrás da água”, lamenta Leila, que mesmo com limitações físicas continua ajudando no plantio de manga da família, utilizando um quadriciclo adaptado para se locomover dentro da propriedade. O marido, Willian Gomes Martins, e o sogro, Milton Gomes Rodrigues, fazem a coleta de água três vezes por semana, transportando o líquido em garrafas PET armazenadas dentro de casa.
A realidade da família é um retrato fiel do município. Segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), apenas 51,3% da população de Cristália tem acesso a água tratada – índice que despenca para 0% na zona rural. Já o acesso à rede de esgoto alcança apenas 28% dos moradores, limitado praticamente à área urbana. Com 5,1 mil habitantes e um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,583, Cristália ocupa a posição 810 entre os 853 municípios mineiros.
Quilombo Bateeiro: água insuficiente e fossas improvisadas
Na comunidade quilombola do Bateeiro, cerca de 120 famílias dependem de um poço tubular aberto pela prefeitura. Entretanto, a vazão é insuficiente, deixando moradores de áreas mais altas frequentemente sem abastecimento.
É o caso da lavradora Viviane Gonçalves Sena, de 33 anos, que precisa recorrer à cisterna da mãe para lavar roupas e cuidar das três filhas, incluindo a pequena Esmeralda Bianca, de apenas quatro meses. Seu marido, Nilson Pereira da Silva, enfrenta outro desafio: a falta de esgoto. Todos os anos, no período chuvoso, precisa limpar a fossa séptica do quintal e descartar os resíduos de forma improvisada na natureza.
Já a família de Junior Rocha de Arruda vive uma situação ainda mais crítica. Morando em uma área elevada, já chegaram a passar três semanas sem água nas torneiras, dependendo de caminhões-pipa enviados pela prefeitura.
O peso da mudança climática
Histórias de abundância de água ficaram no passado. A aposentada Maria Aparecida Dias, de 75 anos, relembra quando havia fartura em um brejo e em um rio que cortavam sua propriedade. Hoje, ambos estão secos. “Aqui tinha muita água, uma riqueza. Agora, acabou tudo. A gente plantava até arroz no brejo, mas agora nem peixe existe mais”, conta.
Liderança comunitária alerta para crise
Para o presidente da Associação Comunitária dos Moradores e Pequenos Agricultores Familiares Quilombolas do Baixo Bateeiro e Contendas, José Gomes Pereira, o “Seo Zezinho”, a falta de água tem expulsado famílias do campo. “Muitas pessoas acabam indo para a cidade porque lá, mesmo com dificuldades, ao menos há água de qualidade para beber. Os governantes precisam olhar mais para as comunidades rurais”, cobra.
Zezinho também alerta para o impacto ambiental da falta de rede de esgoto. “Muitas fossas estão perto dos rios, para onde vão os resíduos, contaminando o que resta de água”, denuncia.
Um desafio para o futuro
O drama vivido por Cristália expõe o abismo social entre áreas urbanas e rurais no acesso ao saneamento básico no Brasil. A meta de garantir água potável e saneamento para todos, prevista no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS 6) da Agenda 2030 da ONU, ainda parece distante para municípios pequenos e pobres como Cristália.
Enquanto isso, famílias como a de Leila e Maria Aparecida seguem enfrentando a dura rotina de depender de quilômetros percorridos para ter acesso à água limpa – um direito fundamental que ainda não chegou a todos os brasileiros.
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