Dois anos após a tragédia da creche Gente Inocente, em Janaúba, famílias de vítimas ainda lutam na Justiça por indenização
(G1) A adaptação foi difícil, ela chorava muito por causa das feridas, que hoje estão cicatrizando. Esperamos conseguir a indenização, porque a situação está complicada."
O relato é de Élica Nayara Soares, mãe de uma das alunas feridas no ataque incendiário de um vigia a uma creche em Janaúba, no Norte de Minas Gerais, em 5 de outubro de 2017.
Neste sábado (5), a tragédia no Centro Municipal de Educação Infantil Gente Inocente – que deixou dez crianças e três professoras mortas, além do criminoso – completa dois anos. E as famílias ainda brigam na Justiça para receber indenização.
Na época do ataque, Élica trabalhava como cuidadora de idosos e ganhava R$ 800 por mês. Mas precisou sair do emprego para cuidar da filha, Flávia, de 6 anos, que teve 80% do corpo queimado.
O marido também está desempregado – atualmente, a família vive com um auxílio mensal de R$ 1 mil pagos pela Prefeitura. O repasse está previsto em um acordo firmado com Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) para pagamento de um adiantamento de indenização às vítimas.
Pelo acerto, no entanto, último depósito ocorrerá em dezembro, e Élica não sabe como vai manter as despesas da casa depois disso. Procurada, a prefeitura não informou se se haverá prorrogação do pagamento após o fim do prazo.
A mãe de Flávia desabafa: "Nós recebemos também doações de algumas pessoas e estou muito preocupada com o fim do auxílio, porque o dinheiro que meu esposo ganha fazendo bicos não dá pra sustentar a casa, são muitas contas".
Ações contra a Prefeitura
A Defensoria Pública de Minas Gerais acompanha o drama das famílias e entrou com um processo coletivo por indenizações. Todos os procedimentos são contra a Prefeitura, já que a creche Gente Inocente era municipal e o autor do ataque, funcionário público.
“As ações de indenização estão em fase de instrução e ainda não há previsão de julgamento. Na ação coletiva, pedimos o reconhecimento no dever de indenizar. Após esse reconhecimento, vamos avaliar cada situação para definir qual valor será pedido para cada família", afirmou em entrevista ao G1 o defensor público Gustavo Dayrell.
Ainda em dezembro de 2017, a Prefeitura Municipal de Janaúba e o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) celebraram um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que previa o pagamento de um adiantamento de indenização às vítimas.
Pela decisão, a Prefeitura de Janaúba passou a repassar, a partir de janeiro de 2018, de R$ 1 mil por mês em casos de morte ou lesões graves e R$ 500 em casos de lesões leves.
"Estes valores futuramente devem posteriormente abatidos do montante final que eventualmente a vítima receberá a título de indenização integral do dano individual", informou o MPMG em nota divulgada na época.
Inicialmente, os depósitos deveriam ocorrer apenas até dezembro do ano passado, mas depois houve prorrogação até dezembro de 2019.
O defensor Gustavo Dayrell diz esperar agora "que a Prefeitura renove o acordo com o Ministério Público, para as que as famílias continuem tendo esse apoio". "Porque, até as ações serem julgadas, elas recebem esse valor, que ajuda muito."
Ele afirmou ainda que não há expectativa de prazo para uma resolução final com relação ao pagamento integral das indenizações, devido à complexidade das ações.
Além do processo coletivo por indenização, havia outros dois para o fornecimento de medicações. Com relação a esses, as liminares já foram deferidas – em março e julho deste ano –, e o poder público está arcando com o tratamento.
"Ela usa placas com medicamento onde a cicatriz está alta, e depois é colocada uma fita micropore por cima. Essas placas são trocadas a cada 15 dias e têm ajudado a diminuir a coceira e reduzir as cicatrizes da queloide. Ela sofreu queimaduras nos braços, nas costas, tronco, pernas e no rosto", diz a mãe de Flávia.
Apesar de todas as dificuldades, a recuperação da garota traz esperança a Élica.
"Flávia é uma criança alegre que adorar brincar. A brincadeira preferida dela é de casinha. Hoje, ela leva uma vida mais tranquila. Só não pode tomar sol e brincar com terra. Estou muito feliz com essa recuperação."
Recomeço para mãe de Mateus
Sorriso dócil e olhos brilhantes. São essas as lembranças que a balconista Valdirene Santos guarda do filho Mateus, que morreu no incêndio criminoso. Dois anos depois, ela diz que vive um luto e enfrenta uma batalha diária. Valdirene tem outras duas filhas, de 13 e 22 anos.
Quando recebeu a notícia do ataque, ela estava no trabalho. "No primeiro momento, achei que era um foguinho de nada, e aí corri para o hospital. Ao chegar lá, percebi a gravidade. Mas nunca pensei negativo, sempre pensei que Deus faria uma obra e meu filho se recuperaria."
Mateus morreu depois de ficar três internado dias em hospitais de Montes Claros e Belo Horizonte.
“A vida mudou e está muito difícil. Eu tive que me mudar da casa que eu gostava muito, porque as lembranças eram fortes. Minha filha mais velha era apegada demais com o Mateus e está com depressão. Mateus era carinhoso e inteligente, ele gostava de beijar e abraçar as pessoas", diz a mãe do garoto, que tinha 5 anos ao morrer.
A creche foi reconstruída cinco meses após a tragédia, e é lá que Valdirene busca apoio, em visitas semanais.
"O fogo não queimou as lembranças boas que tinha de lá. Meu filho gostava demais da creche e eu prefiro sempre pensar no lado bom, por isso toda semana visito a creche. Lá, eu me sinto em paz, tranquila. Sempre converso com as professoras e levo um apoio para elas", conta a mãe de Mateus.
Valdirene diz que doou os objetos do filho e só levou para a nova casa a roupinha do batizado dele, o caderno e uma roupa que o menino usou para ir à escola no dia do ataque.
A creche recebeu o nome da professora Helley de Abreu, que lutou com o autor do crime para tentar salvar as crianças. Ela teve 90% do corpo queimado e morreu no hospital.
Viúvo de professora criou associação
A Associação de Familiares e Vítimas da Tragédia de Janaúba foi criada sete meses após o incêndio. O presidente é Luiz Carlos Batista, marido da professora Helley de Abreu, vítima da tragédia.
"Helley deu a vida para salvar as crianças — a vida dela era aqueles alunos e a escola. Ela era apaixonada pela profissão. Diante de todos os fatos, eu me vejo como alguém que precisa ajudar a dar continuidade para a obra dela", explica ele.
A associação tem um gasto médio que varia de R$ 12 a R$ 14 mil por mês. O valor é usado para compra de medicamentos, custeio de cirurgias e até reforma das casas onde as vítimas moram, que precisaram ser adequadas às necessidades delas após receberem alta.
"Durante todo esse tempo, temos buscado mobilizar a sociedade e os órgãos públicos para as vítimas da tragédia. Fizemos campanhas e eventos para arrecadar fundos com o objetivo de tentar oferecer o tratamento que as vítimas precisam", afirma Luiz Carlos Batista.
"Recebemos muitas doações, algumas até do exterior. Mas estamos preocupados, já que o recurso pode chegar ao fim, e os tratamentos das crianças não podem parar."
Solidariedade
Neste sábado, dia em que se completam dois anos da tragédia, a Defensoria Pública promove uma ação especial em favor das famílias das vítimas.
A programação começa com uma missa às 7h, no Bairro Santa Rita. Depois, em clube de Janaúba, haverá shows de música regional e brincadeiras para as crianças.
“Também vamos doar cestas básicas e brinquedos, a defensoria buscou o apoio de parceiros públicos e privados para realizar essa ação. O objetivo é levar alegria para as famílias nesse dia que seria de dor", diz o advogado Gustavo Dayrell.
Ela cita também que, logo após o episódio, uma equipe multidisciplinar passou a atuar no atendimento integral às vítimas e suas famílias.
"O município reconheceu, pela Lei Municipal no 2.251/2018, o seu dever de reparação, antecipando a indenização às vítimas e suas famílias, nos valores de R$ 500 e R$ 1 mil mensais, a depender da situação de saúde da vítima, que findaria em dezembro de 2018. No final de 2018, em acordo com o Ministério Publico de Minas Gerais, o Município estendeu o pagamento até o ano corrente", afirmou a procuradora.
Ela disse que 80 famílias estão sendo assistidas e que, até o momento, foi pago R$ 1,2 milhão ao todo. No entanto, declarou não saber se haverá nova prorrogação do pagamento depois de dezembro de 2019.
O relato é de Élica Nayara Soares, mãe de uma das alunas feridas no ataque incendiário de um vigia a uma creche em Janaúba, no Norte de Minas Gerais, em 5 de outubro de 2017.
Neste sábado (5), a tragédia no Centro Municipal de Educação Infantil Gente Inocente – que deixou dez crianças e três professoras mortas, além do criminoso – completa dois anos. E as famílias ainda brigam na Justiça para receber indenização.
Na época do ataque, Élica trabalhava como cuidadora de idosos e ganhava R$ 800 por mês. Mas precisou sair do emprego para cuidar da filha, Flávia, de 6 anos, que teve 80% do corpo queimado.
O marido também está desempregado – atualmente, a família vive com um auxílio mensal de R$ 1 mil pagos pela Prefeitura. O repasse está previsto em um acordo firmado com Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) para pagamento de um adiantamento de indenização às vítimas.
Pelo acerto, no entanto, último depósito ocorrerá em dezembro, e Élica não sabe como vai manter as despesas da casa depois disso. Procurada, a prefeitura não informou se se haverá prorrogação do pagamento após o fim do prazo.
A mãe de Flávia desabafa: "Nós recebemos também doações de algumas pessoas e estou muito preocupada com o fim do auxílio, porque o dinheiro que meu esposo ganha fazendo bicos não dá pra sustentar a casa, são muitas contas".
Ações contra a Prefeitura
A Defensoria Pública de Minas Gerais acompanha o drama das famílias e entrou com um processo coletivo por indenizações. Todos os procedimentos são contra a Prefeitura, já que a creche Gente Inocente era municipal e o autor do ataque, funcionário público.
“As ações de indenização estão em fase de instrução e ainda não há previsão de julgamento. Na ação coletiva, pedimos o reconhecimento no dever de indenizar. Após esse reconhecimento, vamos avaliar cada situação para definir qual valor será pedido para cada família", afirmou em entrevista ao G1 o defensor público Gustavo Dayrell.
Ainda em dezembro de 2017, a Prefeitura Municipal de Janaúba e o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) celebraram um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que previa o pagamento de um adiantamento de indenização às vítimas.
Pela decisão, a Prefeitura de Janaúba passou a repassar, a partir de janeiro de 2018, de R$ 1 mil por mês em casos de morte ou lesões graves e R$ 500 em casos de lesões leves.
"Estes valores futuramente devem posteriormente abatidos do montante final que eventualmente a vítima receberá a título de indenização integral do dano individual", informou o MPMG em nota divulgada na época.
Inicialmente, os depósitos deveriam ocorrer apenas até dezembro do ano passado, mas depois houve prorrogação até dezembro de 2019.
O defensor Gustavo Dayrell diz esperar agora "que a Prefeitura renove o acordo com o Ministério Público, para as que as famílias continuem tendo esse apoio". "Porque, até as ações serem julgadas, elas recebem esse valor, que ajuda muito."
Ele afirmou ainda que não há expectativa de prazo para uma resolução final com relação ao pagamento integral das indenizações, devido à complexidade das ações.
Além do processo coletivo por indenização, havia outros dois para o fornecimento de medicações. Com relação a esses, as liminares já foram deferidas – em março e julho deste ano –, e o poder público está arcando com o tratamento.
Élica foi uma das beneficiadas. Assim, a filha dela passou a receber medicamentos que ajudam a reduzir as cicatrizes das queimaduras.
"Ela usa placas com medicamento onde a cicatriz está alta, e depois é colocada uma fita micropore por cima. Essas placas são trocadas a cada 15 dias e têm ajudado a diminuir a coceira e reduzir as cicatrizes da queloide. Ela sofreu queimaduras nos braços, nas costas, tronco, pernas e no rosto", diz a mãe de Flávia.
Apesar de todas as dificuldades, a recuperação da garota traz esperança a Élica.
"Flávia é uma criança alegre que adorar brincar. A brincadeira preferida dela é de casinha. Hoje, ela leva uma vida mais tranquila. Só não pode tomar sol e brincar com terra. Estou muito feliz com essa recuperação."
Mateus morreu durante o ataque à creche — Foto: Arquivo pessoal |
Recomeço para mãe de Mateus
Sorriso dócil e olhos brilhantes. São essas as lembranças que a balconista Valdirene Santos guarda do filho Mateus, que morreu no incêndio criminoso. Dois anos depois, ela diz que vive um luto e enfrenta uma batalha diária. Valdirene tem outras duas filhas, de 13 e 22 anos.
Quando recebeu a notícia do ataque, ela estava no trabalho. "No primeiro momento, achei que era um foguinho de nada, e aí corri para o hospital. Ao chegar lá, percebi a gravidade. Mas nunca pensei negativo, sempre pensei que Deus faria uma obra e meu filho se recuperaria."
Mateus morreu depois de ficar três internado dias em hospitais de Montes Claros e Belo Horizonte.
“A vida mudou e está muito difícil. Eu tive que me mudar da casa que eu gostava muito, porque as lembranças eram fortes. Minha filha mais velha era apegada demais com o Mateus e está com depressão. Mateus era carinhoso e inteligente, ele gostava de beijar e abraçar as pessoas", diz a mãe do garoto, que tinha 5 anos ao morrer.
A creche foi reconstruída cinco meses após a tragédia, e é lá que Valdirene busca apoio, em visitas semanais.
"O fogo não queimou as lembranças boas que tinha de lá. Meu filho gostava demais da creche e eu prefiro sempre pensar no lado bom, por isso toda semana visito a creche. Lá, eu me sinto em paz, tranquila. Sempre converso com as professoras e levo um apoio para elas", conta a mãe de Mateus.
Valdirene diz que doou os objetos do filho e só levou para a nova casa a roupinha do batizado dele, o caderno e uma roupa que o menino usou para ir à escola no dia do ataque.
A creche recebeu o nome da professora Helley de Abreu, que lutou com o autor do crime para tentar salvar as crianças. Ela teve 90% do corpo queimado e morreu no hospital.
Viúvo de professora criou associação
A Associação de Familiares e Vítimas da Tragédia de Janaúba foi criada sete meses após o incêndio. O presidente é Luiz Carlos Batista, marido da professora Helley de Abreu, vítima da tragédia.
"Helley deu a vida para salvar as crianças — a vida dela era aqueles alunos e a escola. Ela era apaixonada pela profissão. Diante de todos os fatos, eu me vejo como alguém que precisa ajudar a dar continuidade para a obra dela", explica ele.
A associação tem um gasto médio que varia de R$ 12 a R$ 14 mil por mês. O valor é usado para compra de medicamentos, custeio de cirurgias e até reforma das casas onde as vítimas moram, que precisaram ser adequadas às necessidades delas após receberem alta.
"Durante todo esse tempo, temos buscado mobilizar a sociedade e os órgãos públicos para as vítimas da tragédia. Fizemos campanhas e eventos para arrecadar fundos com o objetivo de tentar oferecer o tratamento que as vítimas precisam", afirma Luiz Carlos Batista.
"Recebemos muitas doações, algumas até do exterior. Mas estamos preocupados, já que o recurso pode chegar ao fim, e os tratamentos das crianças não podem parar."
Solidariedade
Neste sábado, dia em que se completam dois anos da tragédia, a Defensoria Pública promove uma ação especial em favor das famílias das vítimas.
A programação começa com uma missa às 7h, no Bairro Santa Rita. Depois, em clube de Janaúba, haverá shows de música regional e brincadeiras para as crianças.
“Também vamos doar cestas básicas e brinquedos, a defensoria buscou o apoio de parceiros públicos e privados para realizar essa ação. O objetivo é levar alegria para as famílias nesse dia que seria de dor", diz o advogado Gustavo Dayrell.
O que diz a Prefeitura
A procuradora do município, Amanda Amarante Moreno, responsável pelas ações judiciais decorrentes da tragédia na creche Gente Inocente, informou que foi estabelecido um protocolo para o atendimento das vítimas, a cargo do Centro Estadual de Atendimento Especializado.
A procuradora do município, Amanda Amarante Moreno, responsável pelas ações judiciais decorrentes da tragédia na creche Gente Inocente, informou que foi estabelecido um protocolo para o atendimento das vítimas, a cargo do Centro Estadual de Atendimento Especializado.
Ela cita também que, logo após o episódio, uma equipe multidisciplinar passou a atuar no atendimento integral às vítimas e suas famílias.
"O município reconheceu, pela Lei Municipal no 2.251/2018, o seu dever de reparação, antecipando a indenização às vítimas e suas famílias, nos valores de R$ 500 e R$ 1 mil mensais, a depender da situação de saúde da vítima, que findaria em dezembro de 2018. No final de 2018, em acordo com o Ministério Publico de Minas Gerais, o Município estendeu o pagamento até o ano corrente", afirmou a procuradora.
Ela disse que 80 famílias estão sendo assistidas e que, até o momento, foi pago R$ 1,2 milhão ao todo. No entanto, declarou não saber se haverá nova prorrogação do pagamento depois de dezembro de 2019.
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