Morador que reconheceu fósseis de dinossauro em Minas luta para que feito não seja esquecido
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Por causa da participação no reconhecimento de fósseis, sobrenome de Ubirajara Macedo foi usado para batizar titanossauro: ele defende criação de museu (foto: Túlio Santos/EM/D.A.Press) |
O interesse de Bira por explorações em cavernas e matas começou cedo. O artista plástico diz se lembrar perfeitamente do local que o pai chamava de “vale dos dinossauros”, uma passagem por entre dois morros que seguia para a Lagoa Feia, onde paravam pra tomar café debaixo de um pequizeiro grande. Interessado em espeleologia, ele iniciou sua série de caminhadas aos 6 anos, sendo promovido a fotógrafo de expedições amadoras aos 8. Da primeira equipe, participavam ele, o pai e um pracinha da Força Expedicionária Brasileira que atendia pelo nome de Raimundo Doido. Por iniciativa própria, os três partiam juntos aos sábados e domingos procurando cavernas, e embora alguns fósseis tenham sido encontrados no final dos anos 50 por catadores de baru, uma fruta do cerrado, a área do vale permanecia na maior parte inacessível – havia pântanos e muita mata fechada.
Anos de desmatamento e erosão se seguiram até que, em 2004, mais um barranco desceu. Um vaqueiro foi o primeiro a notar que, daquela vez, havia um osso diferente em meio à terra. O homem levou o fóssil pra casa – pensava que era de um elefante. “Escorou numa janela”, conta Bira. Como o artista plástico era conhecido pelo interesse por explorar áreas do município, acabou recebendo o osso de um oficial de Justiça que soube do caso. Imediatamente depois de ver o achado, Bira seguiu até o local da descoberta. “Quando cheguei lá, vi que era um dinossauro”, lembra. O esqueleto parcialmente exposto foi então protegido com uma lona. “No começo, fiquei assim meio sigiloso com aquilo”, conta. Mas ele logo tratou de espalhar a notícia, na esperança de atrair pesquisadores. “Comuniquei (a descoberta) a todas as universidades de Minas Gerais, sem exceção, mas ninguém deu satisfação”. Um canal de TV de Montes Claros chegou a fazer uma visita, mas Bira diz que o especialista convidado insistia em que os fósseis eram de uma preguiça-gigante.
Pesquisa
Tudo mudou quando Bira recebeu o telefonema de um rapaz que havia visto a reportagem na TV perguntando se ele receberia pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP). Os estudiosos chegaram, confirmaram que se tratava de um dinossauro, e dos grandes, e iniciaram em 2005 trabalhos em dois sítios paleontológicos que se estenderam até 2011. “É o titanossauro mais completo do mundo, o único que tem a cabeça completa”, diz Bira. “Acharam quase 90%, não falta um dente”, acrescenta. De todo o processo de pesquisa, porém, o morador de Coração de Jesus lamenta a retirada de fósseis da cidade, levados para São Paulo. Ele tinha a expectativa de que um laboratório de paleontologia fosse implantado no município como contrapartida, mas o projeto nunca saiu do papel. “Até hoje, não sei por que eu entreguei esses fósseis. Perdemos o dinossauro”, diz.
Hoje, Bira segue apurando informações que recebe sobre a possibilidade de que haja mais esqueletos preservados nos locais de escavação. “Dizem: ‘em tal canto apareceu isso’. Aí, a gente vai ver se é verdade”, conta. Assim como o pai fez com ele, o aposentado costumava levar o filho em suas andanças e hoje caminha com o neto, de 12 anos.
Explorando a zona rural de ônibus, ele por vezes segue para os locais relatados, pernoita na mata e retorna à estrada no dia seguinte. Qualquer material encontrado é armazenado no Centro Cultural José Alves Macedo, fundado há 12 anos por Bira e que leva o nome do pai dele. O local é mantido com a venda de artesanato. O casarão antigo abriga ainda a única biblioteca da cidade, organizada com livros, mobiliário e até telhas doadas. “O único centro que tem (em Coração de Jesus) é esse aqui, que informa, que colhe dados. O próprio arquivo do município acabou, não tem mais uma folha”, reclama.
Sem estradas que permitam o acesso aos sítios onde estavam os fósseis, o sonho de Bira é mobilizar a cidade e negociar para asfaltar o caminho e criar um a espécie de museu a céu aberto. “No sítio está tudo parado. O fazendeiro cercou a área para o gado não destruir”. Hoje, no município em que o Tapuiasaurus macedoi foi descoberto, duas réplicas de dinossauros que mais se parecem a tiranossauros rex e decoram um parque são das poucas referências de que ali houve um capítulo fundamental da paleontologia brasileira.
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