Desvio no Projovem em 7 cidades mineiras passa de R$ 3 milhões

(G1) A Polícia Federal e os Ministérios Públicos Estadual e Federal desarticularam 10 esquemas de corrupção no Norte de Minas Gerais em dois anos. O rombo aos cofres públicos pode chegar a R$ 1 bilhão. 60% de todo o trabalho da unidade da PF em Montes Claros é voltado para a investigação de casos de corrupção, percentual que supera o tráfico de drogas, por exemplo.
Esta segunda reportagem da série "Corrupção: Impactos de um crime" explica como funcionava um esquema que envolveu sete cidades mineiras: Januária, São Francisco, Taiobeiras, São José da Ponte, Araçuaí, Coração de Jesus e Três Corações. A Justiça estima que a fraude tenha causado prejuízo de mais de R$ 3,6 milhões aos cofres públicos.  23 pessoas foram presas, entre elas, o ex-prefeito de Januária, Maurilio Arruda.
Na região, os cursos do Programa Nacional de Inclusão de Jovens no mercado de trabalho (Projovem) eram oferecidos pelo Instituto Mundial de Desenvolvimento e Cidadania (IMDC) com sede em Belo Horizonte. Entretanto, conforme o procurador do Ministério Público Federal (MPF), André de Vasconcelos, o instituto não tinha condições adequadas para oferecer os cursos, o que prejudicou a atendente de supermercado, Samara Cristina, de 22 anos.
dados Pessoais, oferecido pelo Projovem. Segundo Samara, a experiência foi frustrante.
“A gente ficou sabendo que deveríamos visitar salões de beleza e seguir o livro passo a passo. Só que isso não aconteceu. Eu acredito que ninguém teve proveito do curso”, comenta a atendente de supermercado.
“Ele [IMDC] era uma ‘terceirizadora’, ou melhor, o instituto vivia a partir da terceirização da mão de obra não qualificada, com o objetivo de superfaturar os serviços contratados para serem executados”, diz Vasconcelos.
Por meio de convênios, as prefeituras pagavam o IMDC com dinheiro recebido do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Um relatório da Controladoria Geral da União (CGU), feito em junho de 2013, mostra uma série de irregularidades na contratação do IMDC. Em algumas cidades foi dispensada a licitação e o pagamento chegou a ser feito antes da execução dos serviços.
“O IMDC é uma instituição como poderia ser qualquer outra, de nome ABC ou DCE. Não importa. Foi uma instituição montada, a nosso juízo, para propiciar esse tipo de desvio. Mas se não houvesse o IMDC, seria constituído outro para propiciar o desvio”, completa André de Vasconcelos.
“A orientação do parecer do doutor Vicente é no sentido de pagar somente o serviço que ia ser executado, e assim foi feito. Quem determinou abrir o processo administrativo fui eu, quando chegaram no meu gabinete as notícias”, comenta Arruda.
Conforme a Justiça, ele teria ignorado orientações sobre as irregularidades do esquema. Ainda de acordo com as investigações, quem facilitava a fraude na região era Marcos Vinicius da Silva, o “Marquinhos”. Desde o dia 9 de novembro de 2013 ele é considerado foragido. Entre os cargos ocupados por ele, está o de assessor do deputado estadual Ademir Camillo; criador do projeto que regulamentou o Projovem trabalhador em todo o Brasil.
Segundo a PF, o MPF e o MPMG, este não foi o único esquema de fraude com dinheiro público comandado por Marcos Vinícius no Norte de Minas. O nome dele aparece também em investigações de um esquema que envolvia compra e venda de precatórios para compensar dividas de prefeituras com a Receita Federal. Marquinhos seria o responsável por fazer a ligação entre uma empresa do Espírito Santo, que vendia os documentos, e as prefeituras do Norte de Minas, entre elas Montes Claros.
Compensar dívidas com a Receita Federal usando os precatórios é legal, mas vários procedimentos precisam ser feitos para autorização. De acordo com o delegado da Receita Federal, Gilmar Medeiros, para realizar tal compensação é necessário autorização judicial.
“Posterior a isso, o contribuinte deve ir a Receita Federal e requerer um pedido da habilitação desse crédito que será analisado previamente para depois compensar os tributos”, relata o delegado.

Caso “Laranja com Pequi”
Ainda de acordo com Medeiros, o ex-prefeito de Montes Claros, Luiz Tadeu Leite, sabia das regras dos precatórios, mas tentou burlar as normas, iniciando uma sucessão de fraudes. Os documentos apresentados para justificar a compensação dos créditos eram falsos. Montes Claros teve muitos danos com a fraude.
“Na fiscalização realizada houve uma apuração de crédito tributário em torno de R$ 30 milhões. Em respeito ao contraditório, o município apresentou impugnação do orçamento. Juntou-se alguns documentos a essa impugnação todos eles vistados pelo ex-prefeito. E dentre esses documentos, novamente juntou-se um ofício falso da Previdência Social, e ainda ele teve a audácia de apresentar um ofício falso supostamente emitido pela própria Receita Federal da Delegacia de Brasília”, completa o delegado da Receita Federal.
Luiz Tadeu Leite foi prefeito de Montes Claros quatro vezes. O nome dele apareceu também nas investigações de outro esquema de desvio de verba pública na cidade. No primeiro semestre de 2012, o Ministério Público Estadual apurou que os contratos de fornecimento da merenda escolar na cidade eram superfaturados.
A suspeita começou quando o valor gasto com a alimentação dos alunos saltou de R$ 2 milhões para R$ 12 milhões. No inquérito, o nome do ex-gestor aparece como atuante no esquema. Em Montes Claros, quatro pessoas foram presas. Tadeu Leite não respondeu ao processo segundo a Polícia Federal, por causa da imunidade parlamentar.
“Prefeitos, deputados e outros políticos que são corruptos contumazes não são efetivamente presos no momento inicial da operação, porque eles gozam dessa horrível prerrogativa de função. De modo que são julgados pelos tribunais, evitando a apreciação dos fatos pelo juiz de 1ª instância”, comenta o delegado da Polícia Federal Marcelo de Freitas.
Por causa do esquema dos precatórios, no dia dois de julho de 2013, a Justiça emitiu um mandado de prisão temporária para o ex-prefeito de Montes Claros. Ele não foi preso e alegou nos Estados Unidos para tratamento médico. Atualmente, conforme apuração do MG Inter TV, Luiz Tadeu Leite mora em um prédio de luxo em Miami. O imóvel é orçado em US$ 700 mil dólares.
“Eu fico imaginando como é que a pessoa tem coragem de depois de um dia de trabalho ir para casa e dormir, o sono que deveria ser dos justos. Como ele consegue fazer isso e no outro dia chegar e olhar para sua cidade e ver o caos implantado. Eu custo a crer como é que um ser humano possa ser tão insensível diante desse caos absoluto que foi provocado em boa parte pela própria má administração”, afirma o promotor Paulo Márcio.

O que dizem os envolvidos
A produção do MG Inter TV 1ª Edição, tentou por várias vezes falar com algum representante do Instituto Mundial de Desenvolvimento e Cidadania (IMDC), mas nenhuma das ligações foi atendida.
Marcos Vinicius informou ter conseguido habeas corpus derrubando o último mandado de prisão, que ainda havia contra ele, junto ao Superior Tribunal de Justiça. A informação foi confirmada no site do STJ.
A decisão concede a Marcos Vinícios da Silva, o direito de aguardar o julgamento em liberdade, mas estipula o cumprimento de algumas medidas cautelares, como comparecimento periódico em juízo e proibição de acesso a qualquer órgão da administração municipal dos municípios em que teriam sido praticados os crimes referidos no processo, bem como o contato com pessoas suspeitas no caso ou testemunhas.
Sobre o mandado de prisão temporário por causa dos precatórios, aberto em nome do ex-prefeito de Montes Claros, Luiz Tadeu Leite, a Justiça informou que foi revogado.
Em relação a possíveis fraudes no fornecimento de merenda escolar, o advogado de Tadeu Leite, Sânzio Nogueira, informou que o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais invalidou as investigações da operação “Laranja com Pequi”, porém este parecer foi reformado pelo Superior Tribunal de Justiça. Cabe agora ao STJ decidir.
Ainda segundo o advogado, o Ministério Público não tem competência para investigar o prefeito e, mesmo que a Justiça entenda o contrário, as investigações, segundo ele, não se concretizam em provas contra o ex-prefeito.
Quanto à operação Esopo, Sânzio Nogueira disse não saber se as investigações se transformaram em denúncia junto à Justiça, por isso a defesa fica impossibilitada de manifestar amplamente sobre as acusações.
Também de acordo com o advogado, Luiz Tadeu Leite está à disposição das autoridades e, logo que tomar ciência dos fatos, não se negará a prestar em juízo os esclarecimentos necessários.

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