Sufocadas pela dor e pobreza, famílias das vítimas do massacre em Janaúba tentam reconstruir a vida

Cássia de Jesus, que perdeu o caçula, cria sozinha Matheu (E), de 7,
João Paulo, de 9, além da mais velha, de 13: muitas contas para pouco dinheiro
(foto: Luiz Ribeiro/EM/DA Press)

(Por Luiz Ribeiro) Amanhã, quando o Sol ardente abrir seus olhos sobre Janaúba, ainda coberta de luto pela morte de nove crianças, pela professora que não vai voltar para a escola, pelo ato inexplicável do vigia que tocou fogo na creche lotada, encontrará na cidade do Norte de Minas dezenas de famílias com a difícil tarefa de recomeçar. Umas sem seus pequenos, outras com a preocupação dos que ainda lutam pela vida em um hospital, todas elas com o desafio de iniciar a semana tentando retomar a rotina ao mesmo tempo em que lidam com a dor da ausência, somada à dura realidade de um município castigado pela seca, pela pobreza, pela violência, pela falta de infraestrutura e de emprego.

Mesmo com toda a dificuldade, resta às famílias das vítimas do incêndio provocado pelo vigia Damião Soares dos Santos, em 5 de outubro, na Creche Gente Inocente, a missão de reconstruir a vida depois da tragédia que despertou reação até do papa Francisco. Mas, para elas, o “começar de novo”, cantado na letra de Ivan Lins, e provar que valerá a pena ter amanhecido, como diz a canção, não significa apenas superar a dor e o luto do momento. A maioria dos pais das pequenas vítimas do massacre vivem em extrema pobreza e sofrem com o desemprego e a pior seca da história na região. Moradores dos bairros Rio Novo e Barbosa, áreas carentes de Janaúba, vivem em um lugar onde não há rede de esgoto e a quase totalidade das ruas sem asfalto tem pontos de acúmulo de lixo.


Durante quatro dias, a reportagem do Estado de Minas conviveu de perto com famílias que tiveram filhos mortos ou feridos na tragédia. Descobriu que, nas condições adversas, a dor do massacre é multiplicada. Se “valeu a pena ter sobrevivido”, mesmo aquelas mães que agradecem a Deus pela salvação dos que escaparam do massacre passaram a sofrer ainda mais depois da tragédia. Há casos de mulheres que tiveram que largar o serviço, já que, sem a creche, interditada, não têm onde deixar os pequenos. Outras, traumatizadas, têm medo de confiar a segurança dos filhos a outra instituição.

Cássia Medeiros de Jesus, de 32 anos, é uma das faces dessa soma de dificuldades. “Não estou conseguindo dormir. A casa ficou muito ruim sem a minha Lindinha”, diz a mãe de Yasmin Medeiros Salvino, de 4 anos, uma das vítimas do ataque à creche, que morreu na Santa Casa de Montes Claros no dia seguinte ao incêndio. Sofrimento já não é novidade na vida dela, mas a angústia aumentou mais ainda com a perda da caçula – irmã de Thais, de 13, João Paulo, de 9, e Mateus, de 7.

As crianças são filhas de pais diferentes, mas a mãe as cria sozinha. Mora com as três em barracão cedido pela mãe dela, de quatro cômodos, em um beco sem asfalto do Bairro Rio Novo. É lá, debaixo do calor potencializado pelo telhado de amianto sem forro, que Cássia busca se conformar com inesperada partida da sua Lindinha, como chama a caçula, e ainda sem saber o que será do futuro, diante de tanta dificuldade.

Desempregada há dois anos, Cássia aponta um calhamaço de contas de luz e água que se acumulam há meses, somando cerca de R$ 400 em uma dívida que ela nem sonha como vai pagar. “Não sei nem porque não cortaram a luz e a água ainda”, disse, salientando que também deve a duas farmácias um total de R$ 370, dinheiro referente a remédios comprados para tratar das infecções de garganta da pequena.

Além da dor de mãe, ela sabe que a morte trágica da filha vai pesar em sua vida também do ponto de vista financeiro. “Eu recebia R$ 360 de pensão da Yasmin”, conta ela – apesar de acrescentar que o pai da menina, que vive em Pedro Leopoldo com outra família, até a semana passada não tinha enviado o dinheiro referente a setembro.

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