Minas tem 164 cidades onde população rural é maior que urbana

Jones trocou São Paulo por Ubaí e se mantém conectado via internet
 (foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press)
Paulo Henrique Lobato
Ubaí – Jones Veloso, de 33 anos, cursou a faculdade de informática na esperança de deixar o Capão da Onça, povoado de Ubaí, no Norte de Minas, a 500 quilômetros de Belo Horizonte, para ganhar a vida numa metrópole. Foi assim que ele foi parar em São Paulo, maior cidade da América do Sul, onde conviveu com gente que reclama do trânsito, da violência, da poluição e do custo de vida. Em poucas semanas, sentiu saudades do canto dos pássaros, do ar puro e dos queijos que fazia na fazenda. Foi então que decidiu retornar.
“Não saio mais daqui. O que consigo na roça me rende bem”, concluiu. O fazendeiro faz parte de uma estatística curiosa. Trata-se de um mapa que forma a Minas rural. Em 164 das 853 cidades do estado, a população do campo é maior que a urbana. Em Ubaí, por exemplo, 6.016 homens e mulheres vivem em sítios, ranchos e fazendas. Outros 5.665 estão na sede do município.
Há disparidade bem maior em outros lugares. Em Itacambira, também no Norte, esses números são, respectivamente, 3.982 e 1.006. Macaúbas é uma das comunidades rurais de lá. Os agricultores José Pereira da Silva, de 62, e Alaíde Pereira da Silva, de 52, dizem que ficam até dois meses sem ir à sede da cidade. Só vão à área urbana quando necessitam de algo que não encontram no campo. “É a nossa maior dificuldade”, diz a mulher.
Os dados, baseados no Censo de 2010, foram pinçados do estudo Atlas do Desenvolvimento Humano, elaborado em conjunto pela Fundação João Pinheiro (FJP), Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) – a lista de todas as cidades com suas respectivas populações pode ser acessada no www.em.com.br.
A Minas rural fica mais curiosa diante de uma constatação que teve início na década de 1970: a população do campo fica menor a cada ano, enquanto a urbana aumenta. Em Minas, a população rural despencou 10,5% de 2000 para 2010, de 3,2 milhões de pessoas para 2,8 milhões. Já a urbana aumentou 14,8%, de 14,6 milhões para 16,7 milhões. No país, no mesmo intervalo, a rural ficou 6,3% menor, de 31,8 milhões para 29,8 milhões. E a urbana engordou 16,8%, de 137,7 milhões para 160,9 milhões.
Os pesquisadores não investigaram os motivos de a população no campo ser maior do que a urbana nessas 164 cidades mineiras. Uma das causas é a qualidade de vida, como buscou Jones, o fazendeiro em Ubaí. Outra é a falta de instrução de muitos moradores do campo, que aumenta a dificuldade de encontrarem um emprego com boa remuneração nas áreas urbanas.
Qualquer que seja o motivo, uma tendência é unanimidade entre os especialistas: é forte a possibilidade de a população no campo cair no Censo de 2020 – o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (BGE) divulga o levantamento a cada 10 anos.
“Nos países de primeiro mundo, (o percentual da população rural sobre a total) se estabilizou em torno de 15%. Tende a reduzir um pouco mais em Minas Gerais. Muitas dessas cidades têm baixo Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM). As famílias sobrevivem de uma agricultura de subsistência”, avaliou Olinto Nogueira, especialista em políticas públicas da FJP.
O pior IDHM ocorre em São João das Missões (0,529), no Norte do estado, onde a população no campo (9.269 pessoas) é bem superior à urbana (2.446). Os pesquisadores concluíram que São João das Missões ocupa a 5.402ª posição entre os 5.565 municípios brasileiros. Apenas por curiosidade, São Caetano do Sul (SP) ocupa a primeira posição (0,862). Melgaço (PA) é o último da fila (0,418).
Muitos moradores do campo, porém, preferem permanecer na área rural mesmo tendo condições financeiras para sustentar uma família nas metrópoles. É o caso de Jones, o morador de Ubaí. “Aqui, há tranquilidade e sossego”, justificou o fazendeiro, que já foi professor de informática e se mantém conectado com amigos por meio do computador portátil.
A vida corrida na metrópole o fez retornar à fazenda Pedra Preta, em Ubaí, onde o IDHM é 0,609, considerado médio. Lá, ele faz e vende queijos por R$ 12 cada peça (cerca de 1kg). “Tenho 136 cabeças de nelore. O preço do litro do leite (R$ 0,72 na região) está baixo. Por isso, prefiro fazer queijo, o que garante um lucro maior”, explicou, enquanto proseava, encostado na porteira, com Leandro Souza, de 24. O amigo também já morou em São Paulo: “Não aguentei um mês e retornei. Meu lugar é aqui, no campo”.

Palavra de especialista - Dramas que se repetem

Pierre Vilela - Superintendente do Instituto Antônio Ernesto de Salvo, Braço de Pesquisas da Faemg

"O campo não é servido por serviço público. Há carência grande, por exemplo, de saúde. No Norte e Noroeste mineiros, regiões em que os municípios têm grande extensão territorial, famílias precisam percorrer longas distâncias, muitas vezes em estradas precárias, até a sede da cidade. Naturalmente, muitas deixam a área rural. Convivemos com o drama da falta de mão de obra na agricultura e crescente demanda por mecanização. Outro drama é a sucessão familiar nas fazendas: os filhos saem para estudar em centros urbanos e muitos não querem retornar. Não querem perder o conforto, a diversão, a educação. Mas notamos um movimento de retorno ao campo. Não dos que pegam na enxada, mas dos que querem mecanizar e gerenciar a propriedade".



Pablo de Melo
pablo-labs@hotmail.com

Fonte: EM

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