A MARE MANSA DOS PREFEITOS ‘DIARISTAS’

Enquanto o povo como o pão que o diabo amassou, prefeitos engordam seus vencimentos com pagamento de diárias




Viajandões: prefeitos Marcelo, Zé Reis e Anastácio lideram gastos com diárias na microrregião de Januária 


(Por Luís Cláudio Guedes) O mundo da política parece não ter limites em sua capacidade de gerar desesperança no lugar de soluções. Enquanto o país mergulha numa crise política e econômica sem precedentes no retrovisor e de efeitos ainda não totalmente mensurados, prefeitos e seus apaniguados torram recursos públicos nas chamadas farras das diárias – em alguns casos, tudo estar a indicar, como mero artifício para engordar salários.
Levantamento realizado pelo advogado e jornalista investigativo Fábio Oliva em 16 municípios da microrregião de Januária, no extremo Norte de Minas, é rico manancial para mostrar distorções e, quando nada, até mesmo má fé no uso de verbas públicas tão necessárias à solução das carências enfrentadas pela população. Pela magnitude dos números, fica fácil perceber que há gastos que extravasam os limites do razoável com deslocamentos em missão de trabalho. Em alguns casos, o que se transpõe mesmo são os limites da ética e moral.
A pesquisa de Oliva toma como base os relatórios enviados pelas próprias prefeituras ao Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais. Há exemplos em que se beira o escárnio. Veja o caso do prefeito de São João das Missões, município com 12,5 mil habitantes, mais conhecido pela pobreza crônica e por sediar o maior agrupamento indígena de Minas Gerais, a reserva Xakriabás. Ali, o prefeito Marcelo Pereira de Souza (PT) embolsou R$ 185,5 mil em diárias somente no ano de 2014, quando conseguiu engordar seus vencimentos em R$ 15,4 mil mensais, além do salário.
O jornalista Oliva apurou rumores dando conta que o prefeito Marcelo Pereira, que declarou patrimônio de apenas R$ 185 mil à Justiça Eleitoral em 2012, tem hábitos pouco comuns para os padrões de município com o pior índice de desenvolvimento humano (IDH) do Estado. Consta que Marcelo investe tempo e um bom dinheiero na criação de cavalos de raça. Um único animal do seu plantel teria sido avaliado em R$ 300 mil.
Marcelo é protagonista do caso mais escandaloso, mas não é o único extrapolar o bom-senso no uso das diárias. Os prefeitos de Bonito de Minas, José Reis (PPS), e o de Manga, Anastácio Guedes (PT), também encabeçam a lista dos recordistas em recebimento de diárias na microrregião de Januária. Zé Reis faturou R$ 130 mil com a rubrica em 2014. Já Anastácio Guedes completou seu salário mensal de R$ 15 mil com o pagamento extra de R$ 126,1 mil em diárias – média de R$ 10,5 mil por mês para cada um.
As informações estão disponíveis no site Fiscalizeagora.org (aqui) e no Portal Minas Transparente (aqui), mantido pelo Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais. O leitor que tiver tempo disponível e diagnóstico preventivo para cardiopatia pode conferir os números da gastança – que se estende aos secretários municipais, além de servidores efetivos e de confiança. No caso de Manga, os gastos totais com o pagamento de diárias no ano passado beiram os R$ 700 mil .
Veja ainda os casos de Miravânia (4,5 mil habitantes) e Matias Cardoso (7,3 mil habitantes), onde os prefeitos Raimundo Luna (DEM) e Edmárcio de Moura Leal (PSC) receberam R$ 9 mil mensais a título de diárias também em 2014 – o que soma mais de R$ 108 mil por ano para cada um deles.
A pergunta que fica no ar é esta: por que, afinal, os prefeitos viajam tanto? O que a população desses municípios recebe em contrapartida se a maioria deles praticamente não tem o que mostrar em suas administrações. Vide o caso do próprio Anastácio, que chegou a receber R$ 40 mil em diárias entre os meses de junho e julho do ano passado. Por qualquer critério, um verdadeiro acinte, pois não há notícia que ele tenha dado a volta ao mundo ou feito viagem interplanetária.
O prefeito, claro, tem gastos em suas viagens e precisam mesmo ser ressarcidos. Um deslocamento aéreo de última hora de Montes Claros para Brasília pode custar até R$ 3 mil, para trajeto de ida e volta, mas é possível planejar as agendar para evitar jogar o custo no colo da população, formada por pessoas que, em sua maioria, nunca entrou em um avião.

Por que os prefeitos viajam tanto?
Mas vale insistir: por que os prefeitos viajam tanto? Boa parte desses deslocamentos tem como destino Montes Claros, cidade universitária e polo regional em que boa parte da prefeitada mantém residência, de uso próprio ou dos filhos acadêmicos. É justo o povo pagar a conta das diárias de visita a cidade onde o agente público não terá gastos com hotel nem combustível, já que utiliza veículo do gabinete, normalmente abastecidos com verba de outra rubrica?
Não são raros os casos de prefeitos do nosso semiárido que colocam o pé na estrada para evitar o corpo a corpo com a população carente, mal acostumada a fazer fila nas portas dos gabinetes com pedidos os mais diversos, do encaminhamento médico de um parente enfermo até o pagamento de contas de água e luz, cada vez mais pesadas nos orçamentos familiares.
A boa notícia, pelo menos nesse universo da pesquisa de Oliva, é que nem todo prefeito é useiro e vezeiro do expediente. Raimundo Pereira da Fonseca (PR), de Icaraí de Minas (10,7 mil habitantes), recebeu R$ 20,5 mil de diárias em 2014. Menos que o funcionário da Secretaria de Saúde de Januária Jailson Xavier, que embolsou R$ 27,4 mil no mesmo período, valor superior até mesmo aquele pago ao prefeito do município, Manoel Jorge de Castro (PT), que fez jus a R$ 27,3 com reembolso com gastos de viagem a serviço.
O estudo de Fábio Oliva traz algumas inconsistências na prestação de contas dos municípios. A mais gritante mostra o caso do prefeito de Montes Claros Ruy Muniz (PRB), que teria embolsado apenas uma diária em 30 meses de mandato. Ruy gastou R$ 13,4 mil dos seus munícipes em périplo por Portugal e Espanha, quando se dedicou a conhecer in loco práticas desenvolvidas nas áreas de educação, saúde, esporte, meio ambiente e resíduos sólidos.
Milionário, Muniz usa seus aviões para deslocamentos no país, mas é pouco provável que pague a fatura do próprio bolso. A política, como escrevi lá no alto, não tem sido seara onde de onde brotem esperanças e boas notícias.

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