Transporte clandestino e viagem de favor são rotina no Norte de Minas devido à falta de linha regulares de ônibus

"É humilhante, mas não tem outro jeito para chegar à escola" - Lucélia Siqueira (D) que pode carona com a colega Lívia
(EM) Ser professor não é apenas estudar conteúdo, planejar aulas e se dedicar integralmente ao ensino. É preciso superar barreiras. A vida de sacrifícios é encarada pelos professores que lecionam fora das cidades onde moram. Sem carro próprio e com a dificuldade para pegar ônibus, muitos recorrem ao transporte clandestino ou à carona. Essa dura realidade é enfrentada no Norte de Minas.
“Infelizmente, como não têm condições de pagar pelo transporte, muitos professores são obrigados a pedir carona ou usar veículos clandestinos”, afirma Geraldo Costa, diretor da subsede do Sindicato Único dos Trabalhadores na Educação (Sindi-UTE) em Montes Claros. Segundo ele, somente em Montes Claros moram em torno de 200 professores que viajam para dar aulas em cidades próximas, como Francisco Sá, Coração de Jesus, Mirabela, Brasília de Minas e Grão Mogol. 
Em muitos casos, em vez de pagar aluguel em cidades vizinhas, os professores continuam morando em Montes Claros, onde têm casa própria ou moram com os pais. O problema é o deslocamento e o perigo nas estradas. A mais arriscada é a BR-251 (Montes Claros–Salinas), que tem tráfego pesado de caminhões e carretas. “Já tivemos casos de pessoas que perderam a vida ao viajar para trabalhar”, relata Geraldo Costa.
Quem dá aulas na zona rural também tem problemas de sobra. Para chegar à escola, eles precisam levantar cedo. A carona é muito comum. No trecho da BR-135 próximo à área urbana de Bocaiuva, diariamente são vistos grupos de professoras esperando carona para chegar ao distrito de Engenheiro Dolabella e municípios vizinhos, como Engenheiro Navarro. Boa parte vai para a beira da estrada antes de amanhecer.
“É humilhante, mas não tem outro jeito para chegar à escola”, reclama a professora Lucélia Cristina de Oliveira Siqueira. Ela mora em Bocaiuva e trabalha numa escola estadual em Engenheiro Dolabella, a 40 quilômetros da área urbana. Percorre o trecho quatro vezes por dia, pois trabalha em dois turnos (manhã e noite). Professores de Bocaiuva que fazem duas jornadas em Engenheiro Dolabella obrigatoriamente recorrem à carona ou ao transporte clandestino, pois não existem horários de linhas regulares de ônibus antes das 7h e depois das 16h. 
Entre o Engenheiro Dolabella e a 135 existe outro pequeno trecho, de dois quilômetros, que, na maioria das vezes, é percorrido pelas professoras, também de carona, nos próprios ônibus que transportam os alunos do Assentamento Heberth de Souza, na antiga usina de açúcar Malvina.
Lucélia não tem receio de contar que, ao pedir carona, já passou pelo constrangimento de ser confundida por caminhoneiros com as chamadas garotas de beira de estrada. Para evitar o problema, as professoras procuram andar sempre em companhia de uma colega e, ao entrar no veículo da pessoa que dá a carona, adotam a tática defensiva de revelar que são educadoras. A professora de Bocaiuva também relata que, por várias vezes, precisou pegar carona à noite, quando o risco é maior.
Ela conta ainda que, às vezes, recorre ao transporte alternativo, pagando R$ 20 para ir a Dolabela. “O que a gente ganha não dá para pagar o transporte. Se não recorrer à carona e gastar com o transporte, tem de pagar para trabalhar”, lamenta.
Para Lívia Viveiros, outra moradora de Bocaiuva que leciona em Engenheiro Dolabella, o sacrifício na estrada é maior ainda. Além de viajar para o distrito durante o dia, ela se desloca por 54 quilômetros a semana inteira para frequentar um curso em Montes Claros à noite. Ela diz que as dificuldades para chegar à escola interferem na relação dos professores com os alunos, afetando a qualidade do ensino. “Mesmo sem querer, o professor passa parte do seu estresse para o aluno, pois chega à sala de aula cansado”, afirma Lívia.
Outra professora de Bocaiuva que enfrenta sacrifícios é Natália de Lourdes Santos. Todos os dias ela acorda por volta das 4h30, prepara o café e cuida do filho. Depois, caminha a pé cerca de dois quilômetros até a 135 para pegar carona entre as 5h30 e as 5h45. “É muito difícil”, lamenta Natália.
Cleonice Machado é professora de uma escola municipal na comunidade de Lagoinha/Pentáurea, em Montes Claros. Nos cinco dias da semana, antes das 6h, ela pega carona na saída de Bocaiuva para rodar 20 quilômetros até a escola, na área urbana. Cleonice conta que cumpre a rotina há mais de 10 anos e que, ultimamente, pega carona com colegas. “Já me acostumei. Como a escola fica na beira da estrada, fica mais fácil”, afirma.
Em Brasília de Minas, Norte do estado, Betânia de Cássia Silva Miranda, de 40, trabalha de manhã, à tarde e à noite e faz todo o deslocamento a pé. Não há transporte público ou escolar que a atenda e ela chega à noite em casa com os pés inchados. “Sou excedente numa escola e tenho que completar o cargo em outras duas escolas que ficam distantes. Fico muito cansada”, disse a professora, que sai de casa às 6h e só retorna às 23h. 

"O amor pela escola nos faz seguir em frente" 
Todos os dias, a professora de ciências humanas Maria Luiza Grossi acorda às 5h30 para entrar na sala de aula às 7h30. Vaidosa, ela não revela a idade e faz questão de ir bem vestida para a escola onde trabalha, na comunidade rural de Buritis, em Divinópolis, Centro-Oeste de Minas. O trajeto é difícil: são mais de 13 quilômetros de estrada de terra."Deixo meu carro no Bairro Porto Velho, pego o ônibus escolar para trabalhar. É muito cansativo. Já cheguei a perder o dia de aula por causa dessa estrada", conta.
Mas Maria Luiza não desanima. Ela e quase todos os funcionários da Escola Municipal Benjamin Constant fazem esse trajeto. A maioria mora na cidade e usa o transporte escolar para ir dar aula. Em meio aos alunos, eles aproveitam para conversar sobre o conteúdo dado em sala de aula e trocam experiências. "O problema maior é o trajeto. Quando chove, vem o barro, se não, vem a poeira. Tem muito professor que usa touca de banho no ônibus para proteger o cabelo", diz.

A diretora da escola, Christiane Melo de Souza, de 38, mora no Bairro Cidade Jardim e usa o transporte escolar para ir até a escola. Ela acredita que se a estrada fosse asfaltada, o desgaste seria muito menor. "Temo até mesmo pela segurança, tanto de professores como de alunos. A estrada não é boa e quando chove fica escorregadia. O amor pela escola nos faz seguir em frente. Sempre me identifiquei com a comunidade."
A supervisora pedagógica Maria Ângela Gonçalves, de 57, trabalha de manhã e à tarde, precisa acordar às 5h30 para não perder o horário e tem apenas 15 minutos de almoço. "Venho no ônibus com os alunos. Temos nossos momentos de diversão com os alunos , brincadeiras. Ficamos mais próximos", disse. Os três filhos e o marido ficam preocupados, mas Ângela não pretende desistir da escola, onde trabalha há 13 anos.

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