TJMG nega indenização a quem bebeu água de cadáver durante seis meses em São Francisco

Recentes decisões do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) sobre indenizações por danos morais estão trazendo cada vez mais incertezas e insegurança jurídica sobre esse instituto, levando a crer que algumas dessas decisões têm conteúdo mais político que técnico.
Enquanto condenou uma empresa de ônibus a pagar indenização de R$ 8 mil, a título de danos morais, no processo nº. 0395879-57.2012.8.13.0145, porque o ar condicionado do ônibus em que viajava de Belo Horizonte (MG) a Juiz de Fora (MG) começou a gotejar água em sua poltrona, o TJMG decidiu que moradores de São Francisco (MG), que beberam água de cadáver durante vários meses não sofreram qualquer dano moral.
Para os desembargadores Áurea Brasil, Luís Carlos Gambogi e Fernando Caldeira Brant, da 5ª Câmara Cível do TJMG, apesar do cadáver que se dissolveu durante quase seis meses dentro do reservatório da Copasa – Companhia de Saneamento de Minas Gerais, “o líquido estava próprio para consumo”.
A decisão foi tomada durante o julgamento da Apelação Cível n. 1.0611.11.002271-6/001, interposta pela consumidora Judite Barbosa da Silva contra a sentença do juiz Nalbernard de Oliveira Bichara, da 2ª Vara Cível da Comarca de São Francisco (MG) que considerou improcedente o pedido de indenização. O julgamento da Apelação Civil ocorreu no dia 14 de novembro e o inteiro teor da decisão foi publicado hoje, 25 de novembro, no Diário do Judiciário Eletrônico.
Segundo o acórdão do TJMG, “a dificuldade de conceituação do dano moral não pode levar à banalização do instituto, que, justamente por não ser aferível objetivamente, tem se tornado escopo para abusos das mais diversas ordens, estimulando o demandismo e a judicialização das relações interpessoais”.
Para os desembargadores da 5ª Câmara Cível do TJMG, “embora seja desconfortável a constatação de que havia um cadáver no reservatório de água que abastecia a cidade, não houve qualquer prova de que o evento abalou psicologicamente a autora ou causou-lhe qualquer tipo de dano, mormente diante do laudo pericial em que se constatou que o líquido estava próprio para o consumo”.
Segundo os desembargadores, “embora seja desconfortável a constatação de que havia um “corpo estranho” na água que abastecia as casas da cidade, não existiu qualquer prova de que o evento abalou psicologicamente a autora ou violou seus direitos da personalidade, sendo certo que o mero desgosto não pode ser confundido com dano moral”.
Atuou pela autora o advogado Maristelo Simões de Almeida e pela Copasa o advogado Ronei Mendes Cardoso.
Leia abaixo o inteiro teor do acórdão:
Apelação Cível 1.0611.11.02271-6/001 0022716-14.2011.8.13.0611 (1)
Relator(a)
Des.(a) Áurea Brasil
Órgão Julgador / Câmara
Câmaras Cíveis / 5ª CÂMARA CÍVEL
Súmula
NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO
Comarca de Origem
São Francisco
Data de Julgamento
14/11/2013
Data da publicação da súmula
25/11/2013
Inteiro Teor
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – INDENIZAÇÃO – RESPONSABILIDADE OBJETIVA – COPASA – CADÁVER ENCONTRADO NO RESERVATÓRIO DE ÁGUA – LÍQUIDO PRÓPRIO PARA O CONSUMO – DANOS MORAIS NÃO COMPROVADOS – RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. A concessionária de serviço público responde pelos seus atos de forma objetiva, bastando a demonstração, pela vítima, da existência do dano e do nexo causal entre a conduta do ente administrativo e o prejuízo sofrido.
2. A existência de dano efetivo é pressuposto necessário para a responsabilização civil, sob pena de caracterização de enriquecimento sem causa.
3. A dificuldade de conceituação do dano moral não pode levar à banalização do instituto, que, justamente por não ser aferível objetivamente, tem se tornado escopo para abusos das mais diversas ordens, estimulando o demandismo e a judicialização das relações interpessoais.
4. Embora seja desconfortável a constatação de que havia um cadáver no reservatório de água que abastecia a cidade, não houve qualquer prova de que o evento abalou psicologicamente a autora ou causou-lhe qualquer tipo de dano, mormente diante do laudo pericial em que se constatou que o líquido estava próprio para o consumo.
5. Recurso não provido.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0611.11.002271-6/001 – COMARCA DE SÃO FRANCISCO – APELANTE(S): JUDITE BARBOSA DA SILVA – APELADO(A)(S): COPASA COMPANHIA DE SANEAMENTO DE MINAS GERAIS
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 5ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.
DESEMBARGADORA ÁUREA BRASIL – RELATORA
V O T O
Trata-se de apelação cível interposta por JUDITE BARBOSA DA SILVA em face da r. sentença de f. 187/201, proferida pelo MM. Juiz Nalbernard de Oliveira Bichara, da 2ª Vara Cível da Comarca de São Francisco, que julgou improcedente o pedido de indenização por danos morais deduzido pela ora recorrente.
Aduz, a apelante, que: a) a sentença foi contraditória, pois, apesar de reconhecer a responsabilidade objetiva da ré e assumir a existência do cadáver dentro do reservatório de água que abastece toda a cidade de São Francisco, julgou improcedente a ação, baseando-se unicamente na inexistência de contaminação da água e na ausência de dano moral; b) ainda que não tenham sido detectadas doenças ou bactérias, inegável que a água foi contaminada pela simples presença do cadáver, por se tratar de um corpo estranho que não deveria ter sido encontrado no reservatório da requerida, tal como “um inseto ou um fio de cabelo estranho encontrado num prato de feijoada servido por um luxuoso restaurante”; c) os laudos técnicos elaborados unilateralmente, embora imprestáveis, foram excessivamente valorizados pela sentenciante; d) “somente quem ingeriu ‘água de defunto’ e os nojentos derivados deste, poderá medir o seu sofrimento psicológico, cujo laudo técnico, por não ter sensibilidade de um ser humano, não tem via de consequência, a capacidade de medir”; e) o dano, in casu, é presumível, por se tratar de responsabilidade objetiva; f) o julgador também é contraditório ao sinalizar a possibilidade de reconhecimento do dano moral nas ações coletivas e negá-lo nas ações individuais.
Com tais considerações, requer o provimento do recurso para que a sentença seja “cassada e reformada”, condenando a apelada a pagar-lhe indenização por danos morais, além das custas e honorários advocatícios.
Contrarrazões às f. 228/234.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
A controvérsia cinge-se à existência ou não de danos morais indenizáveis em decorrência do evento noticiado, qual seja, o encontro de um cadáver em estado de decomposição dentro do reservatório de água que abastece toda a cidade de São Francisco.
Em princípio, a responsabilidade civil extracontratual pode ser definida como fez o nosso legislador: a obrigação de reparar o dano imposta a todo aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar prejuízo a outrem, ainda que exclusivamente moral (Código Civil, art. 186).
Deste conceito, exsurgem os requisitos essenciais da reparação civil, quais sejam: a) a verificação de uma conduta antijurídica, dolosa ou culposa; b) a existência de um dano, seja este de ordem material ou imaterial, de natureza patrimonial ou não-patrimonial; e c) o estabelecimento de um nexo de causalidade entre uma e outro.
Sabe-se, contudo, que a responsabilidade da Administração Pública, que hoje atingiu o ápice de seu caminho evolutivo, consagra o princípio do risco administrativo (Supremo Tribunal Federal, in RTJ 55/50; TFR in Revista Forense 268/02).
O artigo 37, § 6º, da Constituição Federal de 1988, prevê a responsabilidade objetiva do Estado em relação aos atos praticados por seus agentes:
§ 6º – As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
A teoria do risco administrativo baseia-se no risco que a atuação do Estado encerra para os administrados e na possibilidade de acarretar ônus a certos membros da comunidade, que não seja suportado pelos demais, razão pela qual esse ônus deve ser reparado por toda a coletividade.
A propósito, preleciona a publicista Zanella di Pietro que tal responsabilidade do Estado baseia-se no princípio da igualdade dos ônus e encargos sociais: “assim como os benefícios decorrentes da atuação estatal repartem-se por todos, também os prejuízos sofridos por alguns membros da sociedade devem ser repartidos. Quando uma pessoa sofre um ônus maior do que o suportado pelas demais, rompe-se o equilíbrio que necessariamente deve haver entre os encargos sociais; para restabelecer esse equilíbrio, o Estado deve indenizar o prejudicado, utilizando recursos do erário público” (Direito Administrativo. 22. ed., São Paulo: Atlas, 2008, p. 642).
A professora continua sua explanação, explicando as diferenças fundamentais entre a responsabilidade objetiva estatal e a responsabilidade subjetiva (tradicionalmente adotada no âmbito das relações privadas):
Nessa teoria (risco administrativo), a ideia de culpa é substituída pela de nexo de causalidade entre o funcionamento do serviço público e o prejuízo sofrido pelo administrado. É indiferente que o serviço público tenha funcionado bem ou mal, de forma regular ou irregular.
Constituem pressupostos da responsabilidade objetiva do Estado: a) que seja praticado um ato lícito ou ilícito, por agente público; b) que esse ato cause dano específico (porque atinge apenas um ou alguns membros da coletividade) e anormal (porque supera os inconvenientes normais da vida em sociedade, decorrentes da atuação estatal), c) que haja um nexo de causalidade entre o agente público e o dano (Op. cit., p. 642).
A requerida, tratando-se de concessionária de serviço público, responde objetivamente pelos danos que causar a terceiros, com base na regra prevista no art. 37, §6º, da Constituição da República, que acolhe a Teoria do Risco, bastando a comprovação do prejuízo e do liame de causalidade com a sua atuação.
Pois bem.
Não obstante reconhecida a responsabilidade objetiva da ré, é pressuposto necessário à indenização pretendida a existência de dano efetivo, sob pena de caracterização de enriquecimento sem causa.
O dever de indenizar baseia-se na premissa de que a vítima sofreu real prejuízo em decorrência da conduta do agente, seja patrimonial ou extrapatrimonial, configurando-se, a indenização, como mecanismo de compensação e reparação da lesão sofrida.
A respeito, leciona Rui Stoco:
Ao contrário do que ocorre no Direito Penal, que nem sempre exige um resultado para estabelecer a punibilidade do agente (ex.: nos crimes de mera conduta ou simples atividade), no âmbito civil esse resultado é indispensável e se apresenta como condição, sendo certo que é a extensão ou o quantum do dano que dá a dimensão da indenização.
Diz Sérgio Cavalieri Filho que “sem dano pode haver responsabilidade penal, mas não há responsabilidade civil, pois a indenização sem dano importaria em enriquecimento ilícito” (ob. cit., p. 69).
No âmbito civil, portanto, sem o dano poderá existir ato ilícito, mas não nascerá o dever de indenizar, de sorte que a só conduta que contrarie a norma preexistente – a conduta antijurídica – não é suficiente para empenhar obrigação.
O dano é, portanto, pressuposto da obrigação de reparar e circunstância elementar da responsabilidade civil.
Tenha em consideração, todavia, que somente danos diretos e efetivos, por efeito imediato do comportamento do agente, encontram no Código Civil suporte de ressarcimento.
Se não houver prova do dano, falta fundamento para a indenização. Não se admite o dano incerto, improvável ou eventual, o dano condicional e nem mesmo o dano hipotético.
Aliás, a responsabilidade civil distingue-se da responsabilidade puramente moral, que não empenha obrigação jurídica e da responsabilidade penal, que pode impor sanção ainda que não ocorra dano efetivo. (Tratado de responsabilidade civil. 6 ed. São Paulo: RT, 2004. p. 1180/1881) (Destaques meus).
Destarte, o prejuízo, ainda que exclusivamente moral, deve ser efetivamente demonstrado, dispensando-se sua prova apenas em casos excepcionais em que sua ocorrência é evidente, como, por exemplo, quando se trata de falecimento de ente familiar muito próximo.
Incumbe àquele que se diz lesado demonstrar o dano sofrido, bem como sua extensão, para que seja acolhido o pleito indenizatório.
O conceito de dano moral, ainda hoje, suscita controvérsias na doutrina e na jurisprudência. Alguns defendem que este se caracteriza quando a conduta lesiva acarrete sofrimento ou abalo psicológico que ultrapassa os limites da normalidade. Outros, com base no art. 5º, X da CF/88, defendem que o dano moral consubstancia-se em uma ofensa aos direitos da personalidade, posição adotada no enunciado n. 445 da V Jornada de Direito Civil1.
De qualquer forma, independentemente da corrente adotada, conclui-se que o dano moral é aquele que acarreta lesão à esfera extrapatrimonial da vítima. Na definição de Wilson Melo da Silva, “são lesões sofridas pelo sujeito físico ou pessoa natural de direito em seu patrimônio ideal, entendendo-se por patrimônio ideal, em contraposição a patrimônio material, o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico” (O Dano Moral e a sua Reparação. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 1).
A dificuldade de conceituação do dano moral, contudo, não pode levar à banalização do instituto, que, justamente por não ser aferível objetivamente, tem se tornado escopo para abusos das mais diversas ordens, estimulando o demandismo e a judicialização das relações interpessoais.
Rechaço a ideia de que qualquer inconveniente ou contrariedade seja automaticamente revertida em mecanismo de obtenção de lucro, sob a falsa roupagem de “dano moral”. A meu sentir, somente situações realmente graves e que efetivamente lesionem os direitos da personalidade, causando sério e real sofrimento à vítima, podem ensejar a indenização por lesão extrapatrimonial.
Embora o dano moral envolva valores intangíveis, deve-se considerar que, ainda assim, trata-se de um bem jurídico cuja integridade requer proteção pelo ordenamento, com o que não se confundem dissabores ou contratempos naturais pelos quais os seres humanos se sujeitam, nos diversos relacionamentos em que se envolvem no cotidiano da vida em sociedade.
Além disso, não há como negar que uma mesma situação pode provocar reações diversas de acordo com o destinatário, sendo plenamente possível que a um não cause transtorno algum, e a outro, pelas circunstâncias e características pessoais, configure efetivamente uma lesão à honra, imagem ou integridade psicológica.
In casu, não vejo como presumir o dano moral, como pretende a apelante.
É fato incontroverso que, no dia 07.04.2011, foi encontrado em um dos reservatórios da COPASA, responsável pelo abastecimento de toda a cidade de São Francisco, um cadáver em avançado estágio de decomposição, como se colhe das f. 08/25.
A situação, de fato, causou desconforto aos munícipes, que se mobilizaram e procuraram providências perante o Ministério Público local, o qual ajuizou uma demanda coletiva para defender os interesses dos cidadãos de São Francisco.
Contudo, a presença do cadáver no reservatório de água, por si só, não patenteia que a autora, isolada e especificamente, sofreu danos morais em decorrência do fato.
Não se trata, a meu ver, de hipótese excepcional de dano moral in re ipsa. Embora seja desconfortável a constatação de que havia um “corpo estranho” na água que abastecia as casas da cidade, não existiu qualquer prova de que o evento abalou psicologicamente a autora ou violou seus direitos da personalidade, sendo certo que o mero desgosto não pode ser confundido com dano moral.
Registre-se que, em inspeção realizada um dia antes do encontro do cadáver no reservatório (06.04.2011) pela Gerência Regional de Saúde de Januária, órgão vinculado ao Estado de Minas Gerais, constatou-se que a água de São Francisco – coletada em locais diversos da cidade, e, inclusive, na Estação de Tratamento da COPASA – estava em conformidade com o padrão microbiológico de potabilidade (f. 53/61), do que se conclui que o líquido distribuído à população manteve suas características quanto à coloração, odor e paladar, tendo ocorrido toda a mobilização apenas após a divulgação da informação, pela própria concessionária, de que o corpo havia sido encontrado em sua unidade.
Ainda que o evento narrado cause desconforto ou desgosto, diante da ausência de provas, não é possível aferir se as suas consequências, em relação à autora, caracterizaram efetivo dano imaterial.
A requerente simplesmente dispensou a produção de provas (f. 182), não havendo nos autos qualquer elemento que demonstre a real repercussão do caso em sua vida, se houve alguma alteração em sua rotina ou turbação psíquica – circunstâncias que sequer restaram aventadas de forma específica e concreta na exordial.
Destarte, não comprovado o dano, não há de se falar em dever de indenizar.
A respeito, cito trecho do voto do douto Desembargador Cláudio Costa, que afastou o dano moral em hipótese semelhante, na qual se encontrou um cadáver na rede de distribuição de água da Comarca de Aimorés:
É que, como se infere da inicial, argumentam os autores que, diante do consumo, naquele hiato de tempo, de água proveniente da caixa d´água, tiveram que suportar “gozações” do restante da população da cidade.
Em meu entendimento, a alegada – e não provada – brincadeira ou chacota não é suficiente para caracterizar o dano moral indenizável, que exige um sentimento mais perene e forte do que o eventual desconforto sofrido pela sua vítima.
Do contrário, estar-se-ia constituindo uma sociedade marcada pela intolerância, em que qualquer manifestação seria reprimida por demandas indenizatórias, transformando-se em fonte de locupletamento ilícito e verdadeira indústria de indenizações.
Creio que as circunstâncias discorridas na inicial não são suficientes para caracterizar uma lesão psicológica aos autores, pois a vida é assim constituída, de alegrias, tristezas, eventuais desconfortos e privações.
Aliás, é necessário reconhecer e verificar que o dano moral é necessariamente pessoal e como tal deve ser alegado e comprovado. Por isso, me parece inconsistente a alegação genérica de que os autores o teriam sofrido, sem que tenha sido identificado, na inicial, em que medida cada um deles foi afrontado pelo fato imputado ao réu, a forma com que reagiram e o grau de ofensa ao sentimento pessoal de honra subjetiva que os tenha afetado.
Afinal, um mesmo acontecimento pode afetar duas pessoas de forma distinta, em especial quando esse efeito diz respeito ao aspecto psíquico, interno a cada um. Reforça-se, com isso, a inocorrência de dano moral no caso vertente.
Situação distinta haveria, por exemplo, se os autores lograssem provar que, em virtude de terem consumido tal água, transformaram-se em párias perante a coletividade, ou que seu desconforto psicológico teria lhes trazido perturbações perenes, demandando quiçá tratamento médico-psicológico específico.
Mas não é essa a hipótese dos autos, em que a alegação se restringe a mencionar a sua indignação diante das alegadas brincadeiras a que teriam sido submetidos.
A demonstração do dano moral efetivo, além de exigida pelos arts. 186 e 927 do CC/02, tem o condão de afastar da proteção do Judiciário as demandas meramente oportunistas, daqueles que, motivados pelos advogados ou pelo sucesso de outros munícipes, ingressam com ações fabricadas apenas para obter um “dinheiro extra”, em evidente propósito de enriquecimento sem causa.
No caso dos autos, a demandante permaneceu, de fato, apenas no campo da retórica, limitando-se a fazer alusões impertinentes, sem, contudo, provar o dano moral alegado, ônus que lhe competia, nos termos do art. 333, I, do CPC.
Ademais, a constatação da responsabilidade da concessionária pelo fato noticiado não implica, necessariamente, a procedência do pleito indenizatório, que, como mencionado à exaustão, depende da demonstração do dano sofrido.
Lado outro, as considerações acerca da ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público não repercutem na presente ação, que foi julgada improcedente por falta de provas do prejuízo moral sofrido pela autora. Embora compartilhem a causa de pedir remota, há fundamental diferença na causa de pedir próxima das duas ações, visto que a demanda ajuizada pelo Parquet visa a proteger os interesses de toda a coletividade, comuns aos cidadãos de São Francisco.
Com tais considerações, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO, mantendo a r. sentença por seus próprios fundamentos.
Custas na forma da lei.
DES. LUÍS CARLOS GAMBOGI (REVISOR)
V O T O
Acompanho a e. Relatora, Des.ª Áurea Brasil, para negar provimento ao recurso, ressalvando, apenas, que, revendo a questão, estou em que a hipótese há que ser examinada sob o prisma da responsabilidade subjetiva.
A Constituição da República, além da conduta comissiva, cobre a hipótese da conduta omissiva, havendo que se ressaltar a possibilidade de responsabilização subjetiva do Estado, por omissão ou pela má-prestação do serviço (faute du Service). Para esclarecê-la, valiosa é a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello:
Responsabilidade subjetiva é a obrigação de indenizar que incumbe a alguém em razão de um procedimento contrário ao Direito – culposo ou danoso – consistente em causar um dano a outrem ou em deixar de impedi-lo quando obrigado a isso. Em face dos princípios publicísticos não é necessária a identificação de uma culpa individual para deflagrar-se a responsabilidade do Estado. Esta noção civilista é ultrapassada pela ideia denominada de faute du service entre os franceses. Ocorre a culpa do serviço ou “falta do serviço” quanto este não funciona, devendo funcionar, funciona mal ou funciona atrasado. Esta é a tríplice modalidade pela qual se apresenta e nela se traduz um elo entre a responsabilidade tradicional do Direito Civil e a responsabilidade objetiva. (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 670).
Não obstante polêmica a posição sugerida pelo mestre Celso Antônio, a partir de seu ensinamento, minha interpretação caminha na direção de que é juridicamente possível a adoção da teoria da responsabilidade subjetiva do Estado, por omissão ou pela má-prestação do serviço (faute du Service), por meio da qual se passa a exigir a prova da conduta antijurídica ou ilícita, culposa ou danosa, do nexo causal e do dano.
Assim, com esta ressalva, também nego provimento ao recurso.
É como voto.
DES. FERNANDO CALDEIRA BRANT – De acordo com o(a) Relator(a).
SÚMULA: “NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO”


As informações são do Blog de Fabio Oliva

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