Sepultamentos são marcados por atos de desespero em Rubelita


(Por JOANA SUAREZ) A pequena Ana Luiza Vieira de 5 anos, mesmo sem escutar e falar, por causa de um problema de saúde, sempre sabia a hora que o pai chegava com o micro-ônibus em casa. Mas ontem, ao fazer um gesto para o avô procurando pelo pai, ela entendeu que não o veria. “Ela veio mexendo as mãos imitando um volante e querendo dizer: 'cade papai'”, contou o aposentado Antônio Vieira, 62, que juntou as mãos e apontou para o céu para que a neta soubesse onde seu pai estaria agora.
O pai de Ana, Willian Vieira, 35, era o motorista do micro-ônibus que colidiu com uma carreta que invadiu a pista contrária nessa segunda. O acidente na BR-251 deixou ele e mais 13 pessoas mortas, e outras 11 feridas. As vítimas eram do município de Rubelita, no Norte de Minas – a maioria seguia no veículo para fazer tratamento oncológico e exames em Montes Claros.
Além de Ana Luiza, Willian deixou um filho de nove meses e a esposa Emília Ferreira. “Minha filha era muito apegada ao pai. Ela estava conseguindo começar a falar agora. Não deixamos que ela visse o enterro”, contou Emília muito abalada. O motorista trabalhava no Consórcio Intermunicipal de Saúde da Rede de Urgência do Norte de Minas (Cisrun) há cinco anos transportando pacientes.
Nesta terça-feira, no velório das vítimas, cada rubelense sentia a perda de alguém querido após uma tragédia que abalou o humilde lugarejo, agora conhecido pelo país inteiro.
Com o decreto de luto oficial de três dias pela prefeitura, todo o comércio de Rubelita estava fechado. Apenas uma rua da cidade tinha movimento, onde aconteciam velórios em três casas.
Outras cinco vítimas foram veladas no ginásio poliesportivo de Rubelita, que deixou de ser um lugar de lazer e esporte nesta terça para abrigar os corpos que vieram de Montes Claros. Por volta das 7h da manhã, as pessoas começaram a chegar ao local. Cerca de quatro mil moradores saíram de suas casas para se despedir dos conterrâneos.
Foi com a chegada dos caixões que as pessoas começaram a acreditar no que realmente tinha acontecido. Alguns passaram mal e saíram carregados. Gritos e choros de  desespero ecoavam daqueles que viam seus familiares com rostos deformados, alguns irreconhecíveis.
Os passageiros que sentavam na frente, não tiveram chance de sobreviver ao impacto do micro-ônibus com a carga de motores veiculares da carreta, que se misturaram aos pedaços do ônibus. A gravidade do acidente estava ali traduzida na tristeza e na quantidade de pessoas.
No fim da tarde, quase toda a cidade estava na porta do cemitério para enterrar seus filhos, num silêncio sofrido e na esperança de que a vida volte ao normal nos próximos dias.

Mudança durante o trajeto
Toda segunda e terça-feira, o micro-ônibus saía de Rubelita com destino a Montes Claros. Na última viagem,nessa segunda, uma das passageiras que pegava carona até o distrito de Padre Carvalho, logo depois de Salinas, pediu para descer no trevo ao invés de parar no posto que ela sempre ficava, um pouco antes do local do acidente. Dominga Regina Paixão, 35, morreu quando se preparava para descer do veículo.
As pessoas que precisavam ir à "cidade grande” tinham que agendar antes na Secretaria de Saúde do município ou contar com alguma vaga que sobrasse. Foi o caso de Maria Madalena dos Santos, 43, que chegou a ligar para o taxista que sempre a levava até Salinas, mas como ele não atendeu ela resolveu pegar o ônibus.
A família, que estava feliz com o nascimento do neto de Madalena, ficou sabendo da tragédia que ocorreu no mesmo dia. A dona de casa não chegou a conhecer os dois netos. O outro nascerá daqui algumas semanas. “Ela estava tão feliz com os futuros netos. Sempre ajudou todo mundo que precisava. Os irmãos perderam tudo com a morte de Madalena”, destacou a professora Analva Almeida, 40, prima dela.

Filhos levavam pais para tratamento
Entre as vítimas, estavam filhos que foram levar os pais para fazer tratamento de câncer. Um deles, Fernando de Oliveira, 25, estava noivo e iria casar no próximo ano. Sua namorada precisou ser hospitalizada quando recebeu a notícia. O pai dele que estava no micro-ônibus sobreviveu e está internado. “A cada seis meses ele levava o pai para consultar em Montes Claros. Deixamos o caixão fechado porque ele está muito machucado. A noiva dele nem aguentou ver”, afirmou o cunhado Joaquim Neto, 34.
Quem também levava a mãe para quimioterapia era Maria Lúcia Almeida de Araújo, 52, que depois de viúva, voltou de São Paulo para ficar com a mãe em Rubelita. Ela e Ana Corrêa de Almeida, 78, morreram no acidente. As duas comemoraram aniversário em outubro e novembro último respectivamente. “Nunca vou esquecer o carinho que minha mãe tinha pela família. Nunca deixava a gente ir embora sem comer”, desabafou chorando o trabalhador rural José Deosdete, 55, filho de Ana.

Mãe e filho morrem abraçados
Um dos velórios que mais chocou a cidade – se é que se pode dizer isso diante de tanto sofrimento - foi o de Maria Aparecida da Silva, 23, e Lucas Silva Miranda, 5, que foram encontrados mortos abraçados dentro do micro-ônibus. A mãe levava o filho para tratar de uma alergia no corpo.
Os dois foram velados dentro de casa. Do lado de fora se escutava o choro do pai e marido, que agora ficou sozinho. O caminhoneiro Eliezer Miranda, 32, conhecido como Bigó, estava longe de casa há 25 dias, e voltaria para o Natal. Ele visitava a família uma vez por mês. O casal estaria juntando dinheiro para terminar de construir a casa.
“Ele queria ter vindo na quinta-feira passada. Chegou a falar com o filho que ia levar ele no hospital, mas não conseguiu”, disse o colega de trabalho de Eliezer, Dinaldo José de Paula, 37.
Na porta da casa, o pai de Maria Aparecida, José Antenor da Silva, também estava inconsolável. “Perdi dois pedaços de mim porque neto é como filho. Tenho oito filhos, mas nada cura a perda de um deles”.

Velórios
Nove corpos foram velados em Rubelita, cinco no ginásio e quatro em casas. Um foi levado para a Bahia e, outros quatros ficaram no povoado de Lagoa de Baixo, na zona rural da cidade.

Vidas em perigo na BR-251
No caminho entre Belo Horizonte e Salinas, no Norte do Estado, a equipe de reportagem  presenciou pelo menos oito acidentes na última segunda-feira. O prefeito da cidade, Inael Murta, afirmou que já pediu ajuda ao Governo Federal para melhorar as condições da BR-251. “O ideal era a duplicação, mas nem peço isso mais, quero só melhorias. É o mínimo que o governo tinha que fazer por uma estrada que toda semana tem acidentes com vítimas fatais”.
Quem se arrisca na estrada, sabe desse perigo diário. “Há 35 dias vi outro acidente nessa BR que matou nove pessoas. Alguém tem que fazer alguma coisa pela rodovia”, destacou o caminhoneiro Dinaldo de Paula, 37. Parentes disseram que o motorista do micro-ônibus, Willian Vieira, estava planejando largar o serviço porque achava a estrada muito arriscada.

Sobreviventes
Apesar de triste pela morte dos conterrâneos e de uma sobrinha, o dono da loteria Wanderley Dias, 46, estava, na verdade, aliviado pela filha, Bruna Alves da Costa, de 18 anos, que sobreviveu. “Graças a Deus ela teve só uma fratura na perna, já fez cirurgia e está bem, mas não consegue falar sobre o acidente porque chora muito”. Já sobrinha de Dias, Gleiciely Caldeira, 26, que era ajudante do motorista, também morreu na hora. Segundo o prefeito de Rubelita, Inael Murta, os demais feridos da tragédia estão estáveis.
As coincidências da vida agiram a favor dessa vez para o funcionário da mercearia, Valdilson Pereira Mendes, 41. Ele iria no ônibus de carona para Montes Claros resolver o pagamento da funerária que enterrou seu filho de 14 anos, que morreu atropelado há poucas semanas. “Minha mulher falou para eu ir na segunda, mas acabei dando jeito de ir na sexta-feira, três dias antes do acidente. Deus que me ajudou”.

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