Denúncias de pagamento indevido do seguro-desemprego que deveria ser exclusivo para pescadores artesanais são alvo de investigações da Polícia Federal no Norte de Minas

Ministério Público e Polícia Civil apuram desvio do seguro-desemprego exclusivo para pescadores artesanais. EM mostrou que até fazendeiros e políticos recebem benefício em Minas 
Pirapora, São Francisco e São Gonçalo do Abaeté – Denúncias de pagamento indevido do seguro-desemprego que deveria ser exclusivo para pescadores artesanais são alvo de investigações da Polícia Federal no Triângulo e no Norte de Minas. As fraudes têm sido expostas pelo Estado de Minas desde quinta-feira. Fazendeiros, políticos, carvoeiros, comerciantes e até um pastor dono de clínica de reabilitação em Belo Horizonte recebem a bolsa idealizada para pescadores de subsistência e que consiste em um salário mínimo mensal, de novembro a fevereiro. O objetivo é que esses trabalhadores não exerçam suas atividades durante o período de reprodução dos peixes. A reportagem mostrou ainda que pescadores fantasmas, desconhecidos das colônias de pescadores, recebem benefícios em Pirapora e Buritizeiro, o que também será apurado. 
Em Uberaba, no Triângulo, a Procuradoria da República investiga as colônias pesqueiras da região por suspeitas de recebimento irregular do seguro. Um processo civil público foi aberto e as últimas diligências foram realizadas nos municípios de Fronteira, Frutal e Planura, todos banhados pelo Rio Grande. Mais denúncias são apuradas pela Polícia Federal e o Ministério Público Federal na região de Santa Vitória, também no Triângulo, mais especificamente na colônia do distrito de Chaveslândia, às margens do Rio Paranaíba. “Na região do Pontal do Triângulo foi pedido inclusive apoio para localizar os fraudadores, pois há indícios de que as colônias estejam favorecendo as irregularidades em troca de parcelas dos recursos e de favores políticos”, conta o delegado-chefe da Polícia Civil de Uberaba, Carlos Henrique Cotta D’Angelo. Os inquéritos podem se transformar em processos por estelionato. Em todos os casos, o principal trabalho de promotores e policiais é a conferência das listagens de pescadores artesanais cadastrados nas colônias e nos ministérios da Pesca e Aquicultura e do Trabalho e Emprego. 
Para quem realmente precisa do benefício, e que já considera o valor baixo, as notícias de fraudes no seguro-desemprego são recebidas com indignação. “É um absurdo a gente não poder trabalhar e só ganhar um salário mínimo por mês para deixar de pescar. E piora saber que tem por aí quem ganha sem precisar”, reclama a pescadora Maria Rosilene de Souza, de 40 anos, de São Gonçalo do Abaeté, na Região Central. “Quem sabe se essas pessoas não estivessem recebendo a gente podia ter um aumento (do valor do seguro)?”, pergunta. Há ainda casos de pescadores que não recebem o benefício e muitas vezes continuam pescando por não ter alternativa de renda. “É pouco dinheiro (o do seguro) e não se pode arrumar mais nada para fazer”, justifica Salvador Álvares de Souza, de 63 anos, que continua a pescar mesmo com a proibição da piracema. “Tem uns guardas aí que aparecem, tomam nossa rede, mas a gente que é barranqueiro tem de viver do peixe”, diz.

Atrasos 

Apesar das reclamações sobre o valor, a contribuição do seguro-desemprego é essencial em comunidades pesqueiras mais afastadas e humildes, onde deixar de ser pescador não é uma opção. No vilarejo de Tapera, também em São Francisco, mas a duas horas de barco a motor da zona urbana, moradores já dizem notar que problemas ambientais e a pescaria na época da desova interferem na quantidade e tamanho do pescado. “Os surubins, os dourados, as matrinchãs estão sumindo. Há 20 anos, era normal pegar peixes de 40 quilos. Hoje, se achar de 20 quilos, a gente comemora”, diz o pescador Raimundo Nonato Rodrigues de Souza, de 44 anos. O vilarejo de casas de pau a pique sobrevive da união dos pescadores, que aproveitam para criar patos e cultivar hortas. 
Outro problema, segundo pescadores, é o atraso no pagamento do seguro-desemprego. “A gente fica na mão dos armazéns, pedindo fiado para não morrer de fome nem de doença quando precisa de algum remédio. No ano passado (o benefício) ficou mais de dois meses parado, sem pagar. A gente precisando, fazendo dívida e sem poder pescar”, critica Antônio Raimundo Mendes dos Santos, 43, pescador de São Francisco, no Norte de Minas. Segundo ele, os atrasos têm levado muita gente a pescar na época de proibição.

Desrespeito à piracema  

A vulnerabilidade de peixes do Rio São Francisco e afluentes na época mais crítica de seu ciclo reprodutivo, a piracema, é tema de reportagens do Estado de Minas desde quinta-feira. Na primeira reportagem, o EM expôs o escândalo dos desvios de seguro-desemprego destinado a pescadores artesanais. Políticos, fazendeiros, comerciantes e até religiosos recebem os recursos previstos para garantir sustento a pescadores durante a piracema e tentar inibir a atividade no período de reprodução dos peixes. Outra reportagem mostrou como pescadores burlam o período da piracema diante da falta de fiscalização para barrar a captura em massa e a venda dos peixes.


Pablo de Melo
pablo-labs@hotmail.com

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